A ciência não nos deixa confundir a objetividade com a subjetividade. Se a água salgada do mar agrada alguém ou a desagrada é uma questão de opinião. É subjetivo. Mas que a água do mar é salgada é uma questão objetiva. Não é uma opinião.
Mesmo para além da ciência, na filosofia, o rigor da distinção entre o objetivo e o subjetivo está na base das reflexões desde o seu nascimento. A filosofia é que apresentou o princípio da não contradição, pelo qual algo não pode ao mesmo tempo ser X e não ser X. Assim, nem a filosofia, nem as ciências, incluindo as ciências humanas estão livres para a relativização.
Vemos a confusão entre o objetivo e o subjetivo com alguma frequência, na fala de políticos, na de comentaristas, na da comunidade em geral. E isso traz desdobramentos que levam os rumos dos debates ao caos, e, as pessoas à morte. Dizer que a cloroquina é eficaz para curar Covid não é opinião. Objetivamente não traz benefícios, ponto.
Essa confusão entre o objetivo e o subjetivo tem sido brecha inclusive para projetos de leis que tentam garantir impunidade a quem propaga mentiras por mais que essas mentiras prejudiquem ou mesmo comprometam a vida das pessoas. Em tempo, agora não se fala tanto em mentira, se fala na mídia com frequência em “pós verdade”, em fake news, para suavizar a reprovação implícita a quem é mentiroso, do mesmo modo que se chama um caso famoso de crime de improbidade administrativa por “rachadinha”, na tentativa de amenizar a recepção da divulgação do crime. Seja “rachadinha” ou “rachadão” é um crime, objetivamente tipificado em nossa legislação, que se tenta suavizar para algo menor, cujos adeptos seriam criminosos só a partir de uma linha de mera opinião que seria da turma da oposição.
Essa confusão, entre a objetividade e a subjetividade, tem sido usada inclusive para levar as pessoas às ruas iludidas como no conto do Flautista de Hamelin, flautista esse que ao tocar a flauta fazia com que o seguissem tanto ratos quanto crianças, ou, nesse caso, que consegue que o sigam tanto os que estão ganhando retorno financeiro com o caos quanto aqueles que apoiam o flautista e o seguem por inocência, os ratos e as crianças.
Se poderia sugerir, outrora, que a solução é a promoção da educação. Mas, que educação? É lugar comum a consideração de que nesses 2020 e 2021 só em situações muito especiais as escolas não aprovaram os alunos. Alguns estão pegando os certificados de concluintes do ensino médio neste final de ano, tendo tido dois anos de um ensino de qualidade muito duvidosa. Isso para não falar do ensino superior, que sabemos possuir entre carimbadores de diplomas aqueles cujo procedimento perpassa por bastar que o aluno mantenha as mensalidades em dia para que alcance um certificado bonito na parede de casa depois de alguns meses.
A culpa é dos professores? Dos alunos? Dos pais? Do vírus? Não interessa! Não se está fazendo uma inquisição a fim de achar culpados por algo. Se está dizendo que, enquanto alguns mantiveram o ritmo de dedicação e estudos mesmo apesar do contexto, outros foram “empurrados com a barriga” e foram aprovados com a justificativa do contexto atípico. Com algum rigor do normal a qualidade já era de se questionar em algumas esferas, quem dirá nesse contexto sanitário.
Infelizmente, a confusão entre a objetividade e a subjetividade está inserida inclusive entre professores universitários, vemos isso em bancas de concurso que deveriam prezar pela objetividade, ou, ainda, na própria avaliação do aluno em sala de aula. Isso ainda sem falar nos ministros da educação, ao menos dentre os últimos, que não raro se ouve entrevistas nas quais confundem opinião com fato, ideologia com ciência e por aí vai.
O que vem pela frente? A BNCC, com a fragmentação do ensino e a especialização precoce de alunos. Nesse sentido, como diria no portão do inferno para Dante Alighieri na obra A Divina Comédia, “deixai aqui toda esperança, vós que entrais”. Não há esperança. O projeto iluminista de aposta na razão foi pelo ralo, com a água da modernidade líquida que desfaz a solidez das certezas e as seguranças das categorias a partir das quais nos guiávamos enquanto arrastamos a nossa carcaça pelo ventre da mãe Terra.
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