Thiago Souza de Albuquerque
advogado, conselheiro OAB Blumenau
Como já dito em meu último artigo, a Constituição Federal consagra a livre manifestação do pensamento, porém, no mesmo parágrafo, proíbe o anonimato do manifestante, assim, é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato.
E na internet, seja em páginas eletrônicas, e-mails, redes sociais ou qualquer outro meio, essa regra também vigora. Porém, é notória a facilidade de se criar um perfil falso na internet, preservando assim a identidade do manifestante, o que é, a meu ver, extremamente perigoso e nocivo à população.
Vamos usar como exemplo o período eleitoral vigente: um indivíduo cria um perfil anônimo, dizendo-se paladino da política séria, moral e ética, e começa a atacar determinado candidato, sigla ou partido, chamando-os de corruptos, etc, mas seu real interesse é beneficiar um outro candidato ou partido de oposição. Quem lê tal notícia pode acreditar no que é ali está dito, afinal, quantos de nós sempre vamos atrás da fonte original da matéria? Por vezes, aceitamos como verdade o que está escrito e, também por vezes, compartilhamos a mesma notícia como se verdade fosse.
A partir disso, o estrago está feito, afinal, candidato se elege com voto e votamos naquele candidato que nos parece mais honesto e que melhor atenderá aos anseios de nossa comunidade, não é? E o ofendido, como pode ele defender-se contra alguém que não tem identidade, que se esconde covardemente no anonimato?
Felizmente, a partir da Lei do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) provedores devem fornecer informações cadastrais e pessoais de seus usuários ou terminais, para facilitar a sua identificação. Não bastasse isso, a própria legislação eleitoral, através da Resolução nº 23.457/2015 do TSE, mais precisamente no seu artigo 24, proíbe o anonimato ao dizer que é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores, e ainda determina a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da Internet, inclusive redes sociais.
Neste sentido, a Justiça Eleitoral tem decidido que a vedação do anonimato no caso da propaganda eleitoral na internet não tem como finalidade apenas garantir a identificação do responsável para sujeitá-lo as sanções civis e criminais previstas na legislação, mas também evitar que o eleitor seja induzido a erro (REPRESENTACAO nº 205942, TRE/ES).
Como visto, a intensão é evitar que você, eleitor, seja enganado por pessoas má intencionadas, que sequer têm coragem de mostrar a face.
Vote Consciente
FAKE é coisa de covarde ….
Esta linha de pensamento, tem instaurado um verdadeiro AI-5 no país. Utilizando-se do clichê de que o anonimato serve apenas para espalhar mentiras, a justiça tem mostrado a sua cara. Censura tudo e todos num verdadeiro deleite ditatorial.
Lamento informar, mas anonimato não significa informação falsa. É preciso separar o joio do trigo e a justiça tem essa peneira. Partindo da premissa de que não existe anonimato na internet, algo já consensuado no meio jurídico, não vejo como um perfil falso possa confrontar a constituição.
O que estamos presenciando é a utilização dessa farsa para seletivamente determinar o que pode ou não ser publicado na internet. Se tal amplitude tivesse sido aplicada no que era dito sobre o governo deposto pelo golpe, o golpe dificilmente seria dado. Isso é extremamente perigoso. O que temos visto é a retirada de conteúdo verdadeiro em nome da tal moralidade e a aceitação de falsos textos apenas porque são escritos ou compartilhados por pessoas reais.
Não existiria a Wikileaks, não existiria os perfis que denunciam abusos sexuais contra crianças, mulheres deixariam de denunciar abusos, muitas investigações de crime nunca existiriam. Muitas verdades jamais seriam ditas.
Eu mesmo, cansado de ser hostilizado e ameaçado no mundo real por causa da minha ideologia política, criei um perfil falso para confrontar justamente quem espalhava e ainda espalha mentiras sobre o governo deposto pelo golpe. Pior, muitos daqueles que espalham estas mentiras (facilmente derrubadas pelo boatos.org) são pessoas de grande influência na cidade. Jornalistas até.
Não há democracia sem garantia de anonimato na internet. Um pensamento resume bem minha posição sobre o assunto:
Eu discordo do que você diz, mas vou defender até a morte seu direito de o continuar dizendo.
(Evelyn Beatrice Hall, sintetizando o pensamento de Voltarie)
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“A possibilidade de navegar sem necessariamente ter que se identificar é um dos pilares da internet como a conhecemos. Em parte, o anonimato é um dos aspectos que mais contribui para o potencial da internet inclusive como ferramenta de ação política…. Diante disso, faz sentido abrir mão do anonimato para garantir a punição de quem comete crimes?… Nossa Constituição Federal garante a liberdade de expressão, mas impede o seu exercício no anonimato. É bastante comum que essa disposição seja apontada como o fundamento para que sempre se exija a identificação dos internautas. Contra essa posição, no entanto, nos parece mais correto pensar que a finalidade da norma é permitir a responsabilização de quem fala. Daí, fica claro que a vedação ao anonimato não significa autorizar a vigilância em massa de todos os passos de todo mundo.” (http://ibidem.org.br/tag/anonimato/)