A sociologia política tem sido a fonte para análise dos fenômenos contemporâneos. Em seus imbricados fios, veem-se os impulsos, os movimentos, os avanços da globalização, enfim, a ruptura com a velha ordem mundial.
Um pouco de história. Entre 1945 e 1989, logo após a II Guerra e até a queda do Muro de Berlim, vivíamos dentro de uma moldura desgastada. Quase desabando da parede.
O ciclo de degradação teve como ingredientes fenômenos que balançaram a vida econômica das Nações, entre eles, as crises do petróleo, que puxaram para baixo o crescimento, e a migração de polos industriais para centros de custos menores e menos sujeitos às crises políticas.
Com a debacle do sistema socialista, o neoliberalismo econômico deu um salto e os EUA passaram a ser o centro de irradiação de ideários. A globalização mostrou suas facetas, homogeneizando e integrando processos, quebrando fronteiras internacionais, impondo uma nova ordem. Que atingiu em cheio modos de pensar e agir, comportamentos sociais e políticos, movimentos das margens da sociedade.
Os blocos econômicos formados, empuxados pelos avanços das telecomunicações e sistemas de transportes, ditaram suas conveniências, como a presença mínima do Estado na economia, a redução de gastos públicos, a tessitura do bem-estar social.
Nessa onda, emergiram fenômenos centrípetos, ou seja, das margens para o centro, de lá para cá, sob a alavanca de movimentos transformadores.
Exemplo é a Primavera Árabe, uma árvore que multiplicou sementes no planeta, proporcionando nova concepção na ordem da política e dos costumes. Protestos e urros de revolta passaram a ser ouvidos ali e aqui, disseminando a ideia de que a sociedade queria ascender na escada da razão, sem perder a emoção. A maré de protestos produziu uma revolução no Oriente Médio e no continente africano, puxando as populações para as ruas e derrubando ditadores.
O alvo, expresso no discurso de rebeldia, foi sempre a melhoria das condições de vida.
Nesse ponto, adiciono ao pano de fundo outros acontecimentos, alguns bem descritos por Roger Gérard Schwartzenberg em seu livro “Sociologia Política”: o declínio das ideologias, o arrefecimento partidário, o arrefecimento das bases, o declínio dos Parlamentos. Em paralelo, novos polos de influência – sindicatos, associações, federações, grupos, núcleos, setores e áreas – entraram na arena de luta pelo poder.
Os eleitores, desconfiados da velha política, procuraram novos barcos e remos para navegar na desafiante travessia. Buscaram suas entidades de referência – as organizações acima citadas. É este o novo horizonte, onde se abre o Tempo das Paixões Tristes, livro de François Dubet, um dos maiores sociólogos da França.
Foco a lupa para o Brasil. Tristes trópicos, tristes paixões. Gritos indignados, berros e palavras de baixo calão, angústias, queima da floresta, desmatamento, grileiros, posseiros, depredadores do meio ambiente, máfias, comerciantes de drogas, mendigos e pessoas sem teto, fome, 33 milhões padecendo de fome.
Uma Guernica, como se referiu o sociólogo Antônio Lavareda, um expert em pesquisas, a um dos meus textos na Folha de São Paulo. Essa devastada paisagem, que retrata o país, encaixa-se no ciclo das paixões tristes, descritas por Dubet, e que tem como mecanismo gerador a agregação das pequenas desigualdades.
A nova leitura social não mais leva em conta as desigualdades coletivas, cujo modelo se ancora(va) na divisão da pirâmide social em classes – topo rico, classes médias e base pobre -, mas passa a considerar desigualdades múltiplas e singulares. Dentro de uma mesma classe, são diferentes as demandas, atitudes e comportamentos dos componentes.
Referência significativa é a que se observa, por exemplo, nos eleitores de Lula e Bolsonaro, onde participantes das alas contrárias diferem em suas ações do cotidiano e em sua expressão zangada e cheia de virulência.
Significa que a sociedade, por meio de seus núcleos, opina e clama por demandas. Movimentos setoriais enchem as ruas, amparados em discursos focados em demandas de gênero, raças, opções sexuais, etnias, salários, liberdade de expressão.
Os populistas se aproveitam dos estoques de ódio para enfeitar a glorificação. Vestem o manto do pai, do irmão protetor, do amigo, do Salvador da Pátria.
Em suma, tentam substituir a falta de carisma por populismo. E assim, a personalização do poder abre os espaços do fulanismo/beltranismo na esfera político-partidária.
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