Opinião | A ética e os códigos de ética profissionais

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Segundo o jornalista Cláudio Abramo, não haveria uma ética que fosse própria do jornalismo, o que talvez possamos estender aos Códigos de Ética profissionais como um todo. Ou seja, a ação ética do jornalista e de outros profissionais é uma ação que poderia se esperar enquanto ética de qualquer outro cidadão, como não mentir, não enganar, não colocar as pessoas em risco… Assim como os demais cidadãos, o jornalista não deveria ter atitudes que não são aceitas enquanto condutas sustentáveis em uma sociedade.

É claro que no Código de Ética do jornalismo há especificações de ações pontuais para além do dia a dia do cidadão comum, como, por exemplo, quando fala do sigilo das fontes, ou dos meios previstos e suas exceções para conseguir informações. Contudo, se baseiam em um mínimo de bom senso que se poderia esperar de qualquer cidadão que estivesse em uma situação similar. E, mesmo as punições previstas para quem descumpre o Código de Ética do jornalismo, punições como, por exemplo, o desligamento do sindicado, podem ser insuficientes como dispositivo repressor.

Além disso, a partir de concepções de ética como a de Kant pode-se chegar a considerar que um Código de Ética profissional, qualquer que seja, seria a morte da ética, uma vez que, para esse pensador, ético não seria obedecer a um código (de ética, religioso, penal…), e sim, diante da situação, refletir e, a partir disso, tomar uma decisão livre, que seja possível de ser sustentável em sociedade mesmo que todos diante da mesma situação tivessem a mesma atitude. Fazer algo como obediência a um código, apesar de poder vir a ser a mesma ação tomada após reflexão, inviabiliza o caráter ético da ação.

Por exemplo, eu posso chamar socorro diante de um acidente de trânsito por ter refletido diante da situação que isso era o certo a se fazer, ou posso tomar essa mesma atitude por medo de punição em caso de omissão de socorro. Somente no primeiro caso a ação seria de fato ética. Nesse sentido, quando cumpro normas dos outros, posso estar no máximo “de acordo com o dever”, mas só agirei mesmo “por dever”, ou seja, ação ética, se a ação me é fruto de reflexão pessoal e a atitude tomada independente de incentivos de recompensas ou punições possíveis.

O ponto no qual quero chegar hoje tem em vista essa crise ética generalizada na qual supostamente enfermeiros vazaram informações sobre uma paciente, um jornalista divulgou informações sem critérios éticos, ou, ainda, supostamente, o presidente de um banco assediou sexualmente os funcionários de modo reiterado.

É claro que não deveríamos reduzir o âmbito ético à ética profissional, pois nós não somos somente profissionais, somos seres com uma vivência para além de nossa faceta profissional. Nossa jornada de trabalho ocupa apenas parte de nosso dia. E é claro que a ética é algo maior que os Códigos de Ética profissionais. Contudo, casos como esses ilustram a razão pela qual nossa sociedade chegou ao ponto de precisar de Códigos de Éticas profissionais: nem todos vão fazer o certo por ser o certo. Precisamos, assim, de dispositivos punitivos para termos um mínimo que possamos esperar das pessoas enquanto ação digna. Se os sujeitos conseguem fazer o certo por ser o certo, ótimo. Os que não conseguem, que façam um mínimo do que é correto nem que seja por ameaça de punição, seja pelo Código de Ética profissional, seja pelo Código Penal.

Ao menos desde Foucault temos a noção de que as relações de poder não se dão necessariamente no sentido de um superior hierárquico para com os seus subordinados e nem de modo fixo, institucionalizado. É possível o exercício do poder entre iguais em uma empresa, ou mesmo do subordinado para com o seu chefe. Além disso, é fundamental termos a noção da responsabilidade inerente ao impacto de nossas ações.

O que quero salientar com isso em mente é que, mesmo que o exercício de poder possa se dar em configurações diferentes, esses casos que mencionei, ilustrando exemplos de uma crise ética pela qual passamos, chamam a atenção para o fato de que, quando se está em uma posição cuja ação é revestida de autoridade, a ação danosa tem um impacto que pode ser particularmente devastador na sociedade, tendendo inclusive a normalizar as ações danosas como se fossem aceitáveis, ou mesmo punindo quem legitimamente não aceita a ação anti ética, perseguindo e promovendo retaliação pelas denúncias.

Segundo relatos que estão sendo apurados pelos órgãos competentes, quando a voz do presidente de um determinado banco era ouvida, as mulheres se escondiam, pois o comportamento de assédio sexual estava instalado naquele ambiente de trabalho. E isso, supostamente, por parte do mesmo homem que veio a público dizer que a sua vida é pautada na ética.

É importante termos confiança nas pessoas, de que as solicitações de seu superior hierárquico são feitas aos seus subordinados tendo em vista o bem da função e da instituição e não a satisfação bestial de suas inclinações animais, bem como, nos postos profissionais como um todo. De outro modo fica insustentável se submeter a situações cotidianas que subentendem atitudes básicas de responsabilidade e cuidado para com o outro, como, por exemplo, em situações de procedimentos hospitalares.

Como nos ensina o amigo Walter Birkner, a confiança faz com que haja a promoção do desenvolvimento. Sem confiança nas pessoas, o que nos resta é a constante vigilância e o medo paranoico de um olhar constante sobre os ombros para não sermos vítimas de abusos, de divulgação indevida de questões que concernem à nossa esfera privada, ou mesmo, como diria Hobbes, de morte violenta. A confiança tanto nas pessoas, quanto nos cargos profissionais e nas instituições carece de ser restaurada para que seja possível às pessoas uma dedicação ao desenvolvimento de nossas disposições naturais, de nossa intelectualidade, da indústria, da economia, da vivência saudável em sociedade. E, para isso, precisamos que um mínimo de comportamento decente possa ser esperado das pessoas, se não pelo uso da razão pessoal de cada um (o que seria preferível), ao menos por ameaça de punição ou promessa de recompensa. Assim, apesar de um Código de Ética profissional poder vir a ser considerado como a morte da ética, temos ainda a necessidade dele. Enquanto um projeto de humanidade, espero um dia não precisarmos mais de Códigos de Ética, caminhando em direção a promoção do uso da razão. Mas, por enquanto, eles são necessários e o fortalecimento deles se faz urgente.

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