Mal digerimos a pandemia e surge uma nova preocupação no cenário biopolítico: o conflito global entre Rússia e Ucrânia, que não significa apenas uma briga entre nações vizinhas: Zelensky de um lado e Putin de outro, mas um conflito de interesses globais que desemboca em questões civilizacionais e humanitárias. Para entender melhor o conflito, precisamos fazer uma digressão histórica sobre os principais pontos que culminaram na invasão Russa à nação ucraniana. No ano de 1991, houve a separação da Ucrânia com a antiga União Soviética. A Ucrânia declara independência e a União Soviética se dissolve. Três anos mais tarde, a Ucrânia se aproxima da Otan (Organização do Tratado do Atlântico do Norte) e mantém uma parceria colaborativa com o órgão internacional. Como consequência, o país ucraniano desiste do seu arsenal nuclear em troca de um acordo entre Rússia, EUA e Reino Unido para proteger a sua soberania. Em 1997, temos uma declaração profética, do diplomata norte-americano George Kennan.
Em suas palavras: “a ampliação da OTAN é o erro mais grave da política estadunidense desde o fim da Guerra Fria. […] essa decisão despertará tendências nacionalistas e militaristas antiocidentais […] forçando a política externa russa na direção oposta à que queremos”. Dito e feito. A suas palavras reverberaram e se tornaram realidade no cenário atual. Temos, ainda, alguns eventos que não podemos ignorar para entender melhor o conflito. No ano de 2019, a Ucrânia aprova uma emenda constitucional para prosseguir com a adesão à Otan e à UE. O presidente russo Vladimir Putin ordena tropas em partes separatistas de Donetsk e Lugansk e reconhece as regiões como independentes. No fatídico dia 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invade o território da Ucrânia, desencadeando um conflito de consequências globais que mantém interesses políticos e econômicos em jogo. A Ucrânia não quer renunciar a sua soberania e mantém diálogo com os EUA em busca de proteção e de aval estratégico para ganhar forças no conflito e não sair perdedora. O que se sabe é que esse conflito não emerge no ano de 2022, mas é resultado de um antigo jogo de interesses envolvendo o imperialismo americano e a expansão da Otan como organismo de controle e de interesses estratégicos, e a Rússia, com suas ambições de se colocar como uma das grandes potências militares e econômicas no cenário global. Novos tempos históricos foram forjados por guerras e revoluções, basta olharmos para as Grandes Guerras. De fato, os que sofrem são os reféns da guerra, os vitimados, os refugiados, as vidas que sofrem o martírio desse jogo irracional da Guerra por interesses globais em curso. A pandemia nos deixou arrasados, seja nas vítimas fatais que ocasionou como também nas sequelas emocionais que desencadeou. Tão cedo, mal superamos a terrível guerra contra o vírus, vemos uma guerra de fato, uma guerra por ar, terra e mar. O número de refugiados ucranianos beira os 3,48 milhões, segundo dados fornecidos pela ONU, e o número de mortos vítimas da Guerra ainda é impreciso, podendo chegar a 4,7 mil mortes durante o conflito até o final de junho. Ambos afirmam que seus números devem estar muito abaixo do real, por causa dos desafios na verificação de informações de guerra. A questão dos refugiados da guerra agrava ainda mais uma situação que já é encarada como um dos maiores desafios políticos de nosso tempo. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), o número ultrapassa os 65 milhões de pessoas nessa condição em todo o mundo.
Nesse sentido, as consequências do conflito global Rússia versus Ucrânia são muitas, e permitem refletirmos sobre o nosso modo de ser no mundo, e, consequentemente, nossas escolhas políticas. Seguiremos permitindo que os interesses econômicos e de poder nos governem ou adotaremos uma postura crítica e cooperativa em face dos desmandos de governos alinhados com uma política de morte? Martin Luther King Jr., certa vez, afirmou: “temos de aprender a viver juntos como irmãos ou pereceremos juntos como tolos”. Nesses tempos sombrios, de acontecimentos negativos no cenário global, resta-nos pararmos e vermos em nosso semelhante um igual, reconhecer que, sozinhos, não chegaremos a lugar nenhum. O mundo carece de cooperação, de empatia e de civilidade.
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