Lá vem o menino travesso, negro, de uma perna só, girando… girando, girando, tão rápido, assobiando e cantando. Fazendo fumaça, redemoinhos. Com graça, combate a pirraça de gente ruim, protege os campos, animais, a vida. Ele só quer como oferenda um tanto de comida e uma boa bebida. Vem Saci-pererê, do folclore, das raízes culturais mais fortes, da formação do Brasil.
Poderia existir data melhor para lembrar de todas as histórias deste personagem que uma segunda-feira, dia 31 de outubro? O dia das bruxas nos Estados Unidos é, também, a comemoração do negro do cachimbo que afasta nossos fantasmas.
Hoje, questiono: será que, neste ano, nesta encruzilhada, esta passagem importante para representação simbólica de Saci, intrinsecamente ligada com a formação das crenças dos brasileiros, com Bahia, com África e fé, poderemos marcar, também, como virada na relação entre religiões? Dá para esperar por um reencontro do povo de cada diferente tribo da nossa nação?
Antes de prosseguir eu preciso admitir a verdade: não sou uma pessoa de igreja. Respeito todas as crenças, porém, não sigo nenhuma. Tenho minha fé, meio capenga, de um jeito que nem mesmo sei explicar. Rezo e peço proteção para quem os rituais do rezar desconheço. E, também, não sou dado ao gosto de falar de fé. Acho o mundo abstrato religioso muito difícil de ser decifrado e intenso ao sentir.
O folclore não é religião. Bem, eu sei um tanto sobre isso. Porém, a mistura dos símbolos, dos personagens e histórias gritam em semelhança. Como é audível a necessidade de respeitar ambos e buscar sempre o afastamento da influência do Estado nas coisas da fé.
“É um grande erro acreditar que o Estado neutro em matéria religiosa atenta contra a sobrevivência da religião na sociedade civil. A verdade é exatamente o contrário. Porque, quando a religião e o Estado se confundem, desaparece irremediavelmente a liberdade; ao contrário, quando se mantêm separados, a religião tende, gradual e inevitavelmente, a democratizar-se, ou seja, cada igreja aprende a coexistir com outras igrejas e com outras maneiras de crer, bem como a tolerar os agnósticos e ateus”. É isso que dizia Mario Vargas Llosa. Para mim, faz todo sentido esta reflexão.
Dia 31 vai chegar. Se a América comemora o halloween com uma grande festa em reverência a colheita, que possamos, por aqui, festejar com Saci-pererê um Brasil de mãos unidas em força, paz e reencontro com a vida, felicidade e toda fé. Axé pra quem é de Axé, Saravá pra quem é de Saravá, Aleluia pra quem é de Aleluia, Amém pra quem é de Amém, Shalom, Namastê, seja o que for. Faça uma semana de paz.
Excelente reflexão. Que o resultado das urnas da eleição que se aproxima, traga de volta os que, para alguns é “mi mi mi”, para mim é o ter que respeitar, ter que aceitar, ter que entender…porque democracia é isso, em um país tão diversificado onde temos tantas origens, tantas religiões, tantas opiniões sobre tudo, mas que de tempos para cá vemos silenciadas tantas vozes por medo, mesmo que seja só por manifestar o pensamento que possa ser contrário ao pensamento daquele que grita, esbraveja e vocifera palavras de ódio por não aceitar ser contrariado. Que seja uma semana de luz para todos nós.