Sociedades funcionam com base em um pacto civilizatório, o qual serve para regrar uma convivência que distancia a humanidade da barbárie: acordos tácitos de como viver em sociedade e princípios que nos tornam humanos, como o respeito, a empatia e o direito a uma existência pacífica, estão implícitos nesse pacto. Em sociedades organizadas e livres, esse pacto se estende ao campo político, e as populações têm o direito democrático de escolher seus governantes.
No entanto, Santa Catarina parece ter se distanciado dessa premissa básica do pacto.
Os dias que seguiram a eleição do novo presidente do Brasil mostram não apenas uma quebra nesse pacto civilizatório, mas um abandono do discernimento em um nível nunca visto no Brasil, reflexo de anos de descolamento da realidade. Um processo impulsionado pela desinformação e pela manipulação em diferentes níveis.
Como resultado desse processo, o que se vê é que uma minoria – atestada pelas urnas – não parece entender o mais o profundo sentido de uma eleição. Nessa realidade paralela, dois competiram, mas só um resultado das urnas poderia ser considerado válido.
No entanto, contestar a eleição não é apenas um desrespeito a uma maioria, mas um ataque a todo o sistema político. Como pode haver conivência de agentes eleitos do Executivo e Legislativo com essa barbárie? Como pode qualquer político – eleito, reeleito ou mesmo derrotado – por um sistema eleitoral testado e comprovado não estar na linha de frente para acalmar os ânimos com discursos exaltando a importância da democracia? A falta de firmeza de cada político que por conveniência ou covardia escolhe se omitir nesse minuto, abre as portas do país para um mal muito maior.
Esse descolamento da realidade que impulsiona os protestos pós-eleição é performado de forma midiatizada por uma parte da população. Impulsionada por notícias falsas, teocentrismo de ocasião, e um luto político mal resolvido, essa parcela não entende que a democracia se faz de vitorias e derrotas. Há o apagamento da premissa básica de a liberdade de expressão deve ser defendida, mas que existem limites legais que separam o que é opinião do que é crime. E pedir um golpe de estado é um exemplo disso, não importa o eufemismo escolhido para chamar o processo.
Nesse momento, o que se vê, é a transformação desse luto em combustível para o avanço da violência. Não são poucos os exemplos que transformam o legado cultural e ancestral do Estado em um catalizador para arroubos fascistas.
A imagem de uma saudação nazista vista em São Miguel do Oeste é apenas a ponta do iceberg. Estudos acadêmicos mostram redes neonazistas organizadas e capilarizadas pelo estado. E pior. Na sequência do ato desastroso que repercutiu na mídia internacional, o Oeste do Estado se vê agora “cidadãos de bem” fazendo listas de comércio dito esquerdista para ser boicotado. É impossível não ver o paralelo com a Alemanha de 1933, quando o fascismo surgia nas entranhas do país, e judeus começaram a ser estigmatizados com o boicote aos seus negócios.
Em outras cidades, o cerceamento das liberdades culmina com empresas obrigando funcionários a se revezarem, em horário de trabalho, em frente ao quartel. Patrões exercem um terrorismo econômico e de poder em atitudes antidemocráticas cuja única base real é a do luto de não aceitar a derrota eleitoral.
Nesse momento, todo e qualquer político – independente de partido – que compactua com protestos sem fundamentos e não se manifesta em defesa da democracia, é conivente com a barbárie. A omissão em tempos de advento do fascismo e do desrespeito a constituição é tão criminosa quanto qualquer golpe.
Na Alemanha, que muitos catarinenses tanto têm como modelo, existe um ditado que diz: “Wenn ein Nazi am Tisch sitzt, und daneben 10 andere, die dasitzen und mit ihm diskutieren, dann hast du einen Tisch mit 11 Nazis”.
Traduzindo: Se um nazista se sentar em uma mesa e falar com outras dez pessoas que lá estão, então nesta mesa estarão 11 nazistas.
Quero crer que Santa Catarina ainda seja capaz de retomar o pacto civilizatório e possa conter esse espalhamento fascista enquanto ainda é tempo. Que os políticos desse Estado não se tornem fascistas por conivência e omissão.
Tudo isso foi o Governo do Bolsonaro quem plantou. Enquanto um punhado de lunáticos ficam acampados em frente ao Batalhão, muitos patrocinados, o vosso mestre,sr Bolsonaro, fica em casa, e já contratado com o fundo partidário, com um salário só menor do que os do ministros do STF,com direito a moradia e tudo mais. Isso quer dizer que até o santo do Pau oco está conformado, mas os lunáticos continuam lá… talvez até 2026… ou quem sabe sejam encarnados pelo soldado japonês que se escondeu na selva filipina durante quase três décadas porque não acreditava que a II Guerra Mundial tinha acabado, assim como eles acreditam na intervenção federal.
Muito bom teu texto Ivana. Realmente há um descolamento da realidade na nossa comunidade que foi criado via uma ação intensa de afastamento das fontes de informação, o que capturou esse público em uma bolha totalmente blindada do « fato social ». Uma vez blindada ela não tem mais meios de se libertar pois fecha as portas à informação de qualidade. Em se desconectando da realidade também não baseia mais suas decisões à partir do que acontece no seu próprio universo. A economia pode ir mal, a criminalidade aumenta etc e isso nao o atinge pois a realidade nao tem mais efeito algum na sua visão de mundo. E o efeito perverso de se perder o elo com o real é a violência. Um fascismo é apenas uma das faces dela.