Um país rachado
Terminadas as eleições de 2022, as mais acirradas de nossa história, e a maioria decidiu pelo retorno de Luiz Inácio Lula da Silva contra o atual presidente Jair Bolsonaro. É difícil falar que “o povo brasileiro” se decidiu por Lula precisamente por quão próxima foi a votação. Evidência da extrema polarização e, verdadeiramente, da fratura que rachou o Brasil. Tamanha polarização exige extrema cautela, inclusive na análise.
Lula e Bolsonaro dispunham, cada um, de uma camada de apoiadores convictos na ordem de aproximadamente 30 milhões cada um. O que significa que a verdadeira disputa foi travada no âmbito daquela grande massa de pessoas comuns e despolitizadas da classe trabalhadora e média que votam com base em afetos e preocupações mais imediatas.
Bolsonaro, tudo indica, foi derrotado por causa do neoliberalismo econômico de Paulo Guedes, desde o início denunciado por nós. Paulo Guedes, como denunciamos, era banqueiro de George Soros, de modo que era maximamente incongruente que um pretenso “conservador” entregasse toda a economia nacional a um agente do maior promotor das pautas globalistas no planeta. O resultado dessa entrega foi a privatização da Eletrobrás e a liquidação da CEITEC, além do enfraquecimento gradual da Petrobrás.
Os eleitores de Bolsonaro votaram a despeito de Guedes e seu neoliberalismo, já que como já apontado várias vezes por inúmeras pesquisas, mesmo os apoiadores de Bolsonaro apoiam a manutenção das empresas estratégicas como estatais, bem como o papel do Estado na garantia da justiça social. Nas últimas semanas da campanha, ademais, as declarações privatistas e desumanas de Guedes, apontando inclusive para a não correção do salário mínimo e da aposentadoria, foram lidas até mesmo como atos de sabotagem contra a campanha de Bolsonaro. Talvez não fosse sabotagem intencional, mas apenas o neoliberalismo nu com a sua receita única da austeridade para os muitos e a concentração de riqueza para os poucos.
Bolsonaro achava que podia substituir trabalho com carteira assinada por MEI e Uber. Achava que fazia sentido que um dos maiores produtores de petróleo do mundo forçasse os motoristas a pagar valor internacional. Achava que a solução para corrupção e ineficiência era sucatear e vender as estatais. E nunca se importou realmente com melhorar a vida das pessoas comuns. Em um cenário polarizado cada um desses erros fez a diferença.
O papel do filoatlantismo (alinhamento incondicional aos EUA) e do neoconservadorismo, bem como da conhecida influência do pensamento de Olavo de Carvalho entre os confidentes mais próximos ao presidente, fora o sionismo, elementos que fizeram o Brasil vacilar em seus diálogos e posicionamentos externos (apesar de alguns avanços inconstantes esse ano) mesmo quando o alinhamento com o Eixo da Resistência contra a OTAN era necessário, também tiveram seu papel em conduzir Bolsonaro ao fracasso. Até o discurso conservador não foi suficientemente convincente, já que Bolsonaro não conseguiu demonstrar, na prática, que havia feito o progressismo pós-moderno recuar, de fato, durante seu governo.
Frente Ampla com PSDB, STF e EUA
Lula, por sua vez, não tem tanto o que comemorar. Sua vitória terá danos e sacrifícios tão grandes quanto aos do vencido. Em primeiro lugar, ele terá que lidar com um Congresso mais bolsonarista e liberal-conservador do que o anterior. Sua governabilidade será exígua. Mas o que amarra as mãos de Lula não é tanto o bolsonarismo (que sobreviverá a Bolsonaro), quanto seus próprios aliados.
Todos sabem que Lula foi preso pela ação de guerra híbrida chamada Operação Lava Jato, por juristas que eram ferramentas dos EUA para quebrar grandes empresas brasileiras. Mas quem manda prender também pode mandar soltar. Lula foi solto não por “pressão popular” e não teve suas condenações anuladas pela “voz das ruas”, mas por acordos feitos em corredores por personagens que viam um Lula castrado como opção mais segura do que um Bolsonaro instável.
É assim que nasce a “Frente Ampla”. Seus defensores panfletários podem pintá-la como “defesa da democracia” e “defesa da civilização” contra a “autocracia” e a “barbárie” (discursos típicos do racismo imperialista dos centros de poder atlantista), mas tratava-se de colocar todo o peso da Sinarquia para garantir a vitória de Lula e varrer Bolsonaro do poder.
Assim, Lula não só atraiu em sua órbita toda a esquerda (e tratou de infiltrar e destruir a centro-esquerda trabalhista), como foi forçado a aceitar o seu velho rival PSDB , tendo como vice o sujeito já chamado pelos seus apologistas de “ladrão de merenda” e “terror dos professores”, Geraldo Alckmin, bem como o apoio dos privatistas e neoliberais Fernando Henrique Cardoso, Armínio Fraga, Pérsio Arida, etc., ocupando o palco de sua campanha.
Toda a grande mídia, centrada no Grupo Globo e no Grupo Folha, também deu seu apoio a Lula, com uma cobertura midiática radicalmente parcial e enviesada, precisamente na linha da “defesa da democracia” contra “os avanços da extrema-direita”. As fake news contra o adversário abundaram, tudo apoiado por “checadores de fatos” que ninguém checou para ver a que interesses servem.
Desnecessário dizer que todas as ONGs, sem exceção, apoiaram a campanha petista. Da Open Society que financia vários candidatos de esquerda ao GreenPeace e o Climate Reality Project, de Al Gore, passando por todas as ONGs pseudo-indigenistas e de “direitos humanos”. Nessa linha veio o apoio da “beautiful people” hollywoodiana, de Leonardo DiCaprio a Mark Hammil, passando pelos atores dos filmes da Marvel e muitos outros. Nacionalmente, a esse apoio correspondeu o apoio da classe “artística” brasileira, a “burguesia boêmia” da Zona Sul do Rio de Janeiro, com tantos nomes que seria impossível citar. Os mais importantes, porém, foram os apoios dados pelos bancos, pelo Judiciário e pelas potências atlantistas.
O PT foi o partido que mais recebeu doações dos bancos, com destaque para o Banco Itaú. Os bancos lembram com saudades do período do PT no poder, época em que tiveram os maiores lucros de sua história em nosso país.
O Judiciário foi, também, central nessa disputa eleitoral. Com um poder que veio sendo construído há pelo menos 20 anos, aos poucos se colocando por fora e por cima do ordenamento jurídico brasileiro, ocupando o papel do antigo “Poder Moderador” do período imperial e ultrapassando suas prerrogativas de decidir passivamente e com base na lei sobre controvérsias concretas para passar a legislar e fazer interpretações legais contra a letra e o espírito da lei, o Judiciário (especialmente em sua cúpula no STF e no TSE) atuou constantemente em favor da “Frente Ampla”.
De fato, considerando os poderes de decisão em estado de exceção autoatribuídos pelo STF em nosso país, o Brasil hoje poderia ser considerado uma Juristocracia, mais que uma democracia. Mas o projeto de poder dessa Juristocracia está vinculado, precisamente, ao da Tecnocracia Mundialista, já que o STF vê como sua missão impor a religião dos direitos humanos contra os valores tradicionais nacionais e a legislação internacional contra a soberania nacional.
Não surpreende, portanto, que no cume da “Frente Ampla” estão os Estados Unidos da América. De Joe Biden a Bernie Sanders, passando por figuras como Victoria Nuland, Lloyd Austin e Anthony Blinken, todos tomaram bastante interesse nas eleições brasileiras e expuseram sua preferência por Lula e seu rechaço por Bolsonaro, especialmente a partir do momento em que Bolsonaro decidiu tentar trilhar um caminho mais “imparcial” em política externa a partir do início da operação especial militar.
Aos EUA se somaram apoios oficiais da França de Macron, da Alemanha de Scholz, do Chile de Boric e da Colômbia de Petro, principalmente. As coincidências são evidentes: trata-se da constelação de países mais avançados no projeto pós-liberal globalista, as nações que lutam para salvar a ordem que Rússia e China estão tentando sepultar. São, precisamente, os governos que defendem a internacionalização da Amazônia, a “gestão integrada da pandemia”, etc.
Que preço o Brasil de Lula terá que pagar por todos esses apoios? Ademais, em que medida ele não será refém de todas essas forças?
Necessidade de contínua reflexão, fiscalização e vanguarda de pensamento crítico
Simultaneamente, porém, é plausível vislumbrar que a Frente Ampla de Lula vai trair os principais anseios de trabalhistas e socialistas honestos para garantir a governabilidade pró-Banca e pró-Tecnocracia de seu governo. Nesse sentido, cabe a quem se propõe a fazer análise, sendo advindo das Ciências Sociais, da Economia, do Direito, etc., observar, avaliar, diagnosticar e expor sua percepção enquanto cientista e não como ideólogo. Será necessário dialogar com todos os trabalhistas e socialistas que entendem a centralidade da questão nacional, que repudiam a agenda pós-moderna e o transnacionalismo das lideranças da esquerda. Da mesma forma, se fará crucial o diálogo com os bolsonaristas populares que repudiam o neoliberalismo, as fantasias “olavetes”, o anticomunismo delirante, o filoatlantismo na política externa e o culto sionista acrítico.
O papel dos intelectuais, creio eu, deve focar em dar suporte a defesa da soberania e dos valores tradicionais à luta por justiça social, em construir a ponte entre todos esses setores autenticamente populares, sem abrir mão de nenhuma dessas posições, atuando como vanguarda reflexiva contra os desafios internos e externos que o povo brasileiro terá que enfrentar nos próximos 4 anos.
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