O plástico visível está em toda a parte, nos lixões, nas ruas, nos rios e principalmente nos oceanos. São quase 10 milhões de toneladas, formando verdadeiras ilhas artificiais, especialmente no Oceano Pacífico. Por si só, este já é um enorme problema ambiental e social, mas ele é ainda maior, pois é a parte visível do problema. Sacolas, embalagens, brinquedos e uma infinidade de produtos, constituem o plástico que vemos, mas há um volume que já corresponde à terça parte disso e que é invisível, o que o torna mais perigoso ainda, pois participa mais diretamente das relações ecossistêmicas. Trata-se do microplástico. O microplástico resulta da alta fragmentação de todos os tipos de plástico e também é encontrado particulado em outros produtos variados. Ingeridos por peixes e outros animais marinhos, os mini grãos podem ter sério impacto sobre seus sistemas digestivos e reprodutivos, e há sérias suspeitas de que acabem chegando aos humanos, cadeia alimentar acima. Cerca de dois terços do microplástico encontrado nos oceanos são originados dos pneus de automóveis e das microfibras liberadas na lavagem de roupa. Outras fontes poluidoras são a poeira urbana, as marcações rodoviárias e os barcos. Invisível a olho nu, ele constitui uma fonte de poluição mais grave do que se pensava, como mostra um relatório da International Union for Conservation of Nature (IUCN). A atual quantidade de microplástico nas águas é de mais de 200 gramas por ser humano, de acordo com a IUCN, o que equivale a se cada pessoa do planeta jogasse uma sacola plástica por semana no oceano. Isso parece pouco?
Fragmentos de tamanho inferior a 5 mm de plásticos variados constituem os chamados microplásticos e estão por toda a parte. Por toda a parte mesmo, inclusive dentro de nós. É o que revelam pesquisas que foram consolidadas num estudo da Universidade de Medicina de Viena em parceria com a Agência Ambiental da Áustria. A intenção agora é determinar a gravidade disso em humanos, uma vez que em animais os resultados são extremamente preocupantes, pois os estudos mostram que partículas de microplástico são capazes de entrar na corrente sanguínea, no sistema linfático e de atingir até o fígado e causar danos intestinais, distorção da absorção de ferro e estresse hepático. Acumulados no trato gastrointestinal, esses materiais têm a possibilidade de interferir na resposta imunológica do intestino e de serem absorvidos pelo nosso corpo. Além dos riscos à natureza, o microplástico certamente oferece risco à nossa saúde, como pesquisas devem demonstrar a seguir. Mas já há algumas em curso, como uma realizada pela Universidade Livre de Amsterdam (Vrije Universiteit). Apesar de ser apenas uma das poucas pesquisas realizadas e de ainda carecer de análises, os resultados são muito preocupantes e acenam para dados terríveis no que diz respeito aos ecossistemas, mas também a nós. O microplástico, nas suas diferentes formas, já é encontrado nos lugares mais recônditos do planeta, até mesmo no Círculo Polar Ártico e no Everest, mas também no intestino de tubarões e pinguins, em fezes humanas e na placenta. Praticamente nenhum lugar da Terra está livre da névoa plástica, outra variação do problema, desde as mais altas montanhas até nossos órgãos mais íntimos e desta forma absorvida pela nossa respiração.
Os responsáveis por este trabalho são investigadores que constataram que minúsculos fragmentos de plástico do nosso entorno podem parar no nosso sangue.Os estudos fazem parte do projeto Immunoplast e foram publicados na revista científica Environment International. Segundo os dados, 75% das pessoas analisadas tinham microplástico em algum grau no sangue. Os plásticos mais encontrados foram tereftalato de polietileno (das garrafas PET), polietileno e estireno. E se o plástico está no sangue, possivelmente pode migrar e estar em qualquer parte do corpo. Sabemos que o sangue conecta-se com absolutamente todos os órgãos humanos, levando nutrientes e oxigênio, mas também substâncias nocivas ao organismo, como é o caso desses microscópicos fragmentos de plástico.
Os cientistas crêem que desde a Revolução Industrial, em meados do século XVIII, já foram criadas mais de 100.000 substâncias artificiais, estranhas ao nosso corpo e aos ecossistemas (xenobióticas). Elas estão em toda a parte e ingressam no nosso corpo pelo ar, pela água e pelos alimentos. E o sangue é também o seu veículo principal, como sabemos há décadas. Por isso, podemos esperar resultados muito preocupantes nas próximas pesquisas com relação aos microplásticos também.
Na natureza biótica (viva) e na abiótica (não viva) estabeleceram-se relações ecossistêmicas tão complexas e sutis, ao longo de mais de um bilhão de anos e não conhecemos sequer uma pequena fração delas e nem como nos afetam. Quando alteramos as substâncias que compõem o meio abiótico, potencializamos, e muito, os danos à nossa natureza biológica. Deveríamos evocar aqui, para nós mesmos, o chamado princípio da precaução, pelo qual não podemos alterar algo na natureza sem conhecermos os resultados da ação. Entretanto, o que praticamos é o que podemos chamar de uma cultura da remediação, de forma geral, em que só damos atenção a um problema quando ele já está bem instalado, e cuja solução muitas vezes sequer ainda é possível. Talvez tenhamos ultrapassado o chamado “ponto de ruptura”, de que James Lovelock nos fala em “A Vingança de Gaia” também na questão do microplástico”.
Mas o que podemos fazer de pronto? O uso de plástico, nas suas mais variadas formas, é uma daquelas atitudes sobre a qual temos grande governabilidade pessoal (não total, é certo). Podemos diminuir drasticamente o uso, substituindo o plástico por materiais mais naturais ou biodegradáveis. Cuidar do que bebemos e comemos pode nos ajudar, mas certamente usar e descartar menos plástico fará bem para nós e para o meio ambiente. Cada pessoa deveria identificar as formas como está produzindo plástico e tentar eliminá-las gradativamente. Isso já ajudaria muito a não agravar ainda mais o problema. Como todas as temáticas socioambientais, esta é também emergencial e mereceria muito mais atenção do poder público, das empresas e da sociedade em geral.
José Sommer, professor, biólogo e educador ambiental.
Muito preocupante, o ser humano está se autodestruindo … Estamos em plena extinção … é evidente … nada ou muito pouco se faz. Parabéns pela matéria elucidativa professor!
Me parece que o plástico só irá desaparecer, quando os humanos também …………….