Santa Catarina, uma sociedade com alta renda per capita, pleno emprego, qualidade de vida, inovação, economia diversificada e empreendedorismo. Apesar de sofrer com a mesma desigualdade e concentração de renda nacional, com muitos catarinenses vivendo na pobreza e sem acessar os bônus e benefícios de uma economia pujante, somos um dos melhores estados para viver.
Por que? O que nos diferencia? Somos melhores do que outras sociedades regionais, outras regiões? Não, não somos melhores do que ninguém, apenas fizemos algumas escolhas certas no passado, decisões que impactaram na qualidade de vida que temos hoje. Entre uma das mais importantes, destaca-se a aposta, fomento e apoio ao desenvolvimento regional descentralizado, equilibrado, diversificado e adaptado às condicionantes, potenciais e características locais e regionais. O que resultou na criação de uma rede sócio econômica vocacionada e distribuída em pelo menos 6 regiões catarinenses que atuam de forma coordenada e integrada competindo globalmente e internacionalmente. Temos a região norte que abriga a maior cidade em termos econômicos e de população, Joinville; a região do Vale do Itajaí, terceira mais importante e tendo Blumenau como principal referência; a Grande Florianópolis, com a capital do estado de mesmo nome; a região sul, onde Criciúma é a cidade mais importante; depois a Serra Catarinense e o planalto central, cuja capital é Lages; e por último e não menos importante, o extremo oeste com Chapecó sendo a cidade principal; além de uma série de outras regiões menores integradas e relacionadas com uma destas seis regiões. Todas elas se desenvolvem a partir de suas características, vocações, condicionantes, cultura, clima, geografia, matérias primas, infraestrutura, cadeias produtivas, sistemas de transporte e um equilíbrio sócio econômico essencial para a qualidade de vida do povo catarinense, que também é um dos que mais contribuí para o bolo de impostos do Governo Federal.
Um dos principais fatores para essa configuração territorial e econômica descentralizada, diversa, eficiente e equilibrada foi a implantação de nossas instituições de ensino superior comunitárias, regionais e sem fins lucrativos. Construídas pela comunidade, pelos trabalhadores, empresários, políticos e líderes locais, estas instituições de ensino, que hoje compõem o Sistema Acafe – Associação Catarinense das Fundações Educacionais, foram um legado determinante e decisivo até aqui. Ainda mais importante se considerarmos os desafios que o futuro nos apresenta: revolução digital, novas gerações, inovação, empreendedorismo, usar a ciência a favor das pessoas e da produção, tecnologias de ponta, desenvolvimento e pesquisa a partir de problemas reais e a capacidade e habilidade para operar e trabalhar com toda essa modernidade. Desenvolvendo nas pessoas o senso crítico, inteligência emocional, conhecimento técnico, compromisso democrático e engajamento e propósito com a comunidade local. Temos as ferramentas para enfrentar juntos esse futuro, uma rede de 15 universidades sem fins lucrativos, que reinvestem 100% de seus recursos financeiros nas comunidades em que estão inseridas, em ensino de qualidade, pesquisas aplicadas de ponta, extensão e atendimento gratuito em várias áreas (direito, medicina, fisioterapia, design, arquitetura de interesse social, negócios, psicologia, saúde, educação, eventos, etc), além de cultura, internacionalização e em projetos conjuntos com empresas, movimentos sociais e ambientais, associação de moradores e prefeituras. Muitas destas ações estão articuladas com a Rede Catarinense de Centros de Inovação, também distribuídas entre as 6 regiões, fazendo dobradinha com as universidades da ACAFE e a rede de universidades públicas como a UFSC, UDESC, IFSC, IFCs e outras sem fins lucrativos.
Imaginemos uma rede de ensino superior reunindo as instituições sem fins lucrativos, que reinveste todo o seu recurso para ampliar o impacto positivo e atendimento à comunidade catarinense, atuando em conjunto com as co-irmãs públicas, com os Centros de Inovação, com as prefeituras, movimentos sociais, sindicatos dos trabalhadores e patronais. Contando potencialmente com 20.000 professores e 150.000 estudantes em vagas gratuitas ou financiadas através de bolsas de estudo oferecidas pelo Governo do Estado, todo esse ecossistema desenvolvendo soluções para problemas e desafios reais de cada região e do Estado como um todo.
O mais surpreendente é que tudo isso já existe e está pronto. Mais de 25 instituições de ensino superior distribuídas por todo estado, entre públicas e comunitárias sem fins lucrativos, com milhares de laboratórios e plataformas físicas e online que pesquisam e desenvolvem soluções aplicadas e de curto prazo para os problemas sociais, econômicos, ambientais, de infraestrutura e da cadeia produtiva catarinense e nacional. Além disso, mais de 10 Centros de Inovação já estão em funcionamento e integrados a estas universidades, prefeituras, empresas e ecossistemas locais de inovação e empreendedorismo.
O Governo de Santa Catarina sempre teve papel importante na construção e fomento desse arranjo inovador, eficiente e sustentável, desde a criação e implantação da Rede Catarinense de Centros de Inovação, passando pelo financiamento estudantil universitário através do Programa Uniedu e a FAPESC, que financia projetos e distribui bolsas de pesquisa, mestrado e doutorado em diversas áreas, fomentando a ciência, tecnologia e inovação. Mas faltava um ingrediente para fortalecer e garantir a sustentabilidade e perenidade deste sistema, um financiamento robusto, permanente, justo e integrado que pudesse garantir o ingresso e permanência dos nossos filhos e futuras gerações num ambiente universitário estimulante e acolhedor, que faz a diferença na vida de nossos jovens. Ensino superior público, gratuito, inclusivo, inovador e de qualidade, integrado à realidade de cada região e comunidade, sempre foi um desejo unânime entre os defensores e apaixonados pela educação como prioridade para o desenvolvimento de uma Nação livre, democrática, soberana, inclusiva, igualitária, sustentável e desenvolvida. Mas construir tudo isso, exige mais do que discurso e marketing, passa por muita ousadia, coragem, inteligência e decisão política de criar as condições materiais para sua implementação e duração, por isso o projeto do Governo Catarinense chamado Universidade Gratuita, um dos mais inteligentes e inovadores projetos educacionais neste século no Brasil, é uma oportunidade imperdível e única para toda a sociedade catarinense.
Aqui cabe uma ressalva, é claro que não existe realidade, ideia ou sistema perfeito, todo projeto, intenção ou programa, precisam estar em constante aperfeiçoamento para cumprir seus objetivos e premissas e gerar os impactos e resultados planejados. Não há dúvida de que todos os atores engajados na educação, não apenas estão dispostos, não apenas têm consciência de suas obrigações legais e constitucionais, mas estão verdadeiramente empolgados e apaixonados por essa missão. Incrivelmente, isto também já está em andamento. Desde o projeto escolhido nas urnas pelo povo catarinense, passando pela ampla discussão durante a transição de governo, a elaboração do projeto de lei da Universidade Gratuita dialogando com a ACAFE, os questionamentos da imprensa e agora a contribuição dos nossos deputados estaduais na Assembleia Legislativa, talvez este seja um dos projetos educacionais mais discutidas da nossa história. A sua aprovação pode enviar uma mensagem para os demais estados e servir de referência para a construção de soluções alternativas e contemporâneas, garantindo um sistema de ensino superior de alta qualidade, inovador, perene, sustentável, financiado, vocacionado, integrado, regionalizado, comunitário e gratuito para todos que quiserem estudar e não tem condições de pagar a mensalidade, nem vagas suficientes nas universidades públicas estaduais e federais.
Educação é uma das coisas mais importantes e preciosas que temos, um dos melhores caminhos para a construção de uma sociedade melhor de verdade, com qualidade de vida para todos, com todos e por todos. Portanto, jamais deveria ser tratada como mercadoria, estar submetida aos interesses de investidores, rentistas, fundos de investimentos nacionais e internacionais. Uma criança emancipada, com senso crítico, conhecimento amplo e diverso, integrada e comprometida com sua comunidade, respeitando o outro e quem pensa diferente, não deve depender da geração de lucros, pagamento de dividendos e interesses meramente comerciais, cujas decisões, são tomadas, muitas vezes longe daqui e baseadas em números e planilhas, não em pessoas e comunidades.
Em momentos como este, onde grande responsabilidade recai sobre nossa geração é quando decisões históricas fazem a diferença. Vivemos uma mudança de eras, estamos confusos e com medo, a revolução digital, os algoritmos, a inteligência artificial, a desigualdade, a emergência climática, as guerras e uma certa irracionalidade neoliberal, geram apreensão e desesperança. Nas horas mais difíceis, as ideias mais justas, mais transparentes e mais inclusivas, são ainda mais necessárias. Juntos e cooperando, debatendo e discordando, melhorando e sendo sinceros, seremos capazes de estar à altura deste desafio que se impõe, com soluções e resultados que ajudem a devolver a esperança ao nosso povo.
Não se trata de discutir a proibição do ensino privado, muito menos de impedir o exercício livre desta atividade comercial que visa o lucro e remessa de dividendos para seus acionistas e proprietários, muitos deles vivendo fora de Santa Catarina e do Brasil. O que precisamos enfrentar é o debate sobre as diferenças reais e os impactos em nossas vidas, a vida real das pessoas, entre estes dois modelos distintos de educação. Um deles desenvolve suas atividades sem visar lucros, buscando a integração entre ensino, pesquisa, extensão, ciência e tecnologia, cultura e projetos com e para a comunidade e centros de inovação e pesquisa; o outro prioriza seus lucros, se adapta às oscilações do mercado e da concorrência, foca suas atividades no ensino e segue as diretrizes de seus proprietários e controladores.
Afinal, estamos falando sobre como investir melhor os recursos públicos arrecadados através de impostos diretos e indiretos, pagos pelos catarinenses visando a melhoria da educação, saúde, qualidade de vida, da infraestrutura, das atividades econômicas e geração de renda e empregos qualificados e melhor remunerados. Neste sentido, a prioridade direcionada para o ensino público e sem fins lucrativos parece ser a escolha mais adequada e se justifica pelo profundo, amplo e permanente relacionamento e presença da ACAFE em suas comunidades e os impactos gerados e amplamente apresentados e conhecidos. As próprias lideranças envolvidas no debate da Universidade Gratuita, em sua maioria, são oriundas deste ambiente universitário rico e diversificado, que forma não apenas profissionais altamente qualificados e preparados, mas cidadãos conscientes, críticos, engajados e comprometidos com o futuro sustentável das comunidades onde moram.
Portanto, numa democracia plena, todos têm direito de participar e de forma transparente e pública, expor seus argumentos, interesses e propostas, assim como os representantes do povo têm o dever e o direito de escolher as melhores soluções e propostas. Propostas que estejam alinhadas com as ideias, projetos e programas apresentados, debatidos e pactuados com seus eleitores durante a campanha e posterior eleição dos mais votados. Neste sentido, poucas vezes na história das eleições um projeto foi tão ampla e claramente apresentado e debatido quanto o Faculdade Gratuita (hoje Universidade Gratuita), podendo-se afirmar que foi um dos fatores decisivo para a eleição do atual governador. Ou seja, mesmo que alguns detalhes sejam atualizados e ajustados à realidade dos cofres públicos e contribuições da Assembleia Legislativa, foi esse o projeto escolhido pelo povo catarinense (gratuidade com contrapartida das instituições da Acafe). Isso reveste o projeto e seus objetivos com ampla legitimidade, gerando enorme expectativa nas famílias catarinenses, nos jovens e futuros universitários, nas comunidades e nas instituições sem fins lucrativos comunitárias e regionais.
Oportunidades de mudar a história para melhor e impactar as futuras gerações, são raras, debates que envolvem tão profunda e intensamente a sociedade, ainda mais. Por isso o carinho e comprometimento de todos os envolvidos, além de comovente, pode ser decisivo na rápida discussão e aprovação do projeto de lei apresentado pelo Governador aos deputados estaduais no mês de maio.
Vamos melhorar o projeto, garantir que o Universidade Gratuita seja o mais efetivo possível, seja transparente, democrático, sustentável e justo, gerando mais desenvolvimento, qualidade de vida, inovação, empreendedorismo, ciência, tecnologia, cultura e esperança para a sociedade catarinense. Vamos fazer os ajustes necessários, manter a essência do projeto escolhido por mais de 70% da população, vamos acompanhar e fiscalizar sua implementação pelas instituições de ensino da Acafe (com 50 anos de atuação) e medir seus impactos e desempenho, avaliar e debater permanentemente o quanto está melhorando a vida, a economia, a saúde e o dia a dia de cada uma das seis comunidades atendidas.
Priorizar a educação é investir de verdade, tempo, energia, ideias, recursos públicos e o melhor de nossos esforços de forma permanente, é isso que a população catarinense espera e precisa. Avancemos olhando para todos os níveis de ensino, buscando o melhor e investindo o necessário desde a educação básica, passando pela adulta, profissionalizante, dos nossos adolescentes e integrando essa trilha de forma estimulante desde a primeira escola até a pós graduação. Viva a educação pública, comunitária, regional, integral, gratuita, estimulante, inovadora, cidadã e de qualidade.
Christian Krambeck, arquiteto e urbanista, empresário e professor universitário da Furb.
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