Opinião | O Anarquista apaixonado

Imagem: reprodução

Sempre fui muito tímido. Na época de escola tinha poucos amigos. No ensino médio eu tinha um, Messias Mohammed.  Ele contava que seu nome era resultado uma mãe católica e pai muçulmano. Dizia que o avô materno só daria benção ao casamento se o genro prometesse que o nome do primeiro filho do casal fosse Messias. É que o velho tinha ouvido falar que na tradição árabe os meninos tinham que carregar o nome do profeta.

Falava pouco, quase monossilábico, era um indivíduo muito inteligente. Mohammed era roqueiro, mas não sei identificar de qual tribo. Andava sempre com o mesmo uniforme. Uma calça preta bem justa, camiseta surrada da mesma cor e um coturno, destes do exército, sempre com o aspecto de empoeirado com a biqueira descascada. Tinha os cabelos crescidos até ao meio das costas. Sempre bem penteado e amarrado em uma cola de cavalo.

A escola tinha aquelas carteiras universitárias, que a mesa e a cadeira são uma peça só, e que a mesa se retrai.  Sentávamos lado a lado. Tínhamos um ritual diário, nos intervalos, quando ouvíamos o alarido do sinal, similar ao da fábrica que meu pai trabalhava, rumávamos em direção da biblioteca onde devorávamos os empoeirados livros.  Politicamente Mohammed se autodefinia como anarquista. Lutava contra toda forma de controle e dominação

Em nossos mergulhos na biblioteca, devorava tudo sobre o assunto. Começou com aquele livreto da Coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense, depois Bakunin, Chomsky, Tolstói, Proudhon, Oscar Wilde e etc.. Biografias, escritos políticos, romances, lia todos.

Nosso professor de história era um ex-vereador da Arena, passava as aulas lendo o jornal do dia e fazendo comentários. Provocações que faziam tímido Messias Mohammed se transformar. Falava da capacidade de auto-organização dos povos, de como a burguesia utiliza os aparelhos de estado para explorar os mais pobres e da necessidade de uma ação política direta.  Em uma aula, durante um debate com o professor sobre as consequências da ditadura militar para o desenvolvimento nacional chegou a gritar “Canalha, canalha, canalha a história te condenará.”

Um dia, cheguei na sala havia um sujeito sentado ao lado da minha carteira. Vestia uma camisa social branca impecavelmente passada. Um calça de tergal caqui, aquelas com friso. Cabelo cortado e penteado para o lado. Quando me cumprimentou, levei um susto, percebi que era o Mohammed.

– O que aconteceu com você?

– Comecei a namorar

Um ano depois, enxerguei Mohammed pela janela do ônibus que me levava para a faculdade. Ele caminhava pela Av. Beira Rio em Blumenau. Vestia um coturno, camisa e calça preta. Deduzi que o namoro tinha acabado.

Josué de Souza, professor e cientista social.

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