Opinião | Silêncio e saudade: o vazio deixado por um grande amigo!

Foto: arquivo pessoal

O doloroso dia é chuvoso e, aos poucos, vai chegando ao fim. Abre-se a porta de casa, poderia ser qualquer acesso as lembranças, que lentamente escapam, feito lágrimas, escorregando no rosto com o avançar dos passos no piso gelado. Chegou a momento inevitável de encarar o que mais temia… ficar apenas com silêncio, cruel e impiedoso, que ecoa em todos os cômodos. O ruido do seu caminhar já não existe mais, e como dói ouvir somente meus soluços, minha respiração.

Com um vazio tão intenso, que parecia engolir minha alma, abracei o luto. Chorei tudo que o corpo permitiu. Despedidas são horríveis. A morte é terrível para todos que precisam viver. “Não existe escolha se não prosseguir. Água parada não edifica”, diria Osun, que ensina ainda que o ir embora é também uma forma resistência.

Talvez você não compreenda, considere tudo um exagero, que este texto nem deveria existir. Afinal, perdi um cachorro e não um humano. Racional ou não, a ferida aberta aqui, em meu peito, é destas que sentimos quando alguém muito proximo e importante precisou partir. E o Roscoe era muito mais do que isso para mim.

Sim, o nome e a raça dele, um bulldog inglês, eram os mesmos do cão famoso de Lewis Hamilton, o piloto preto, maior campeão da história de Formula 1. Singularmente, o meu Roscoe chegou em um momento de profunda transformação desta jornada que vou trilhando. Mudei profissionalmente, alterei projetos e, nestes nove anos e tanto que estivemos juntos, acumulei fracassos. Se a vida precisava escolher um tempo para esfregar a arrogância, a autossuficiência e a burrice que carrego de cara no asfalto, acertou no companheiro para curar com lambidas cada uma das cicatrizes. Foram os piores, mais sofridos e difíceis anos… ele o mais leal, alegre, confidente e entusiasmado amigo.

A minha relação com os cães é muito intensa. Sempre foram estes os animais que ajudaram a estabilizar os pensamentos, recuperar o entusiasmo, a energia perdida. Foi um deles, o Hachi, que conduziu a transição de carreira, afastando o jornalismo e apresentando, com a Foster Pet Place, o empreendedorismo.

Mas a vida é como uma estrada esburacada. Cedo ou tarde somos confrontados com a perda, é inevitável. O Roscoe partiu, deixando-me aqui, imerso nesse mar de saudade e desamparo. Não posso culpar a fatalidade ou o destino, pois isso é inerente à existência de todos nós, homens e animais. E como escreveu sobre seu cãozinho, certa vez, Garth Stein, “o visível torna-se inevitável. O carro vai para onde vão seus olhos”. Estou encarando o óbvio: bom amigos querem ver os seus muito bem!

Enquanto as lágrimas rolavam, submerso em recordações, fui listando as mais puras aventuras juntos: as caminhadas, os momentos de dias chuvosos, os pulos eufóricos para receber o petisco favorito… e tudo mais que guardarei como lembranças queridas. Seu cheiro ainda paira no ar, em objetos que vou para sempre guardar, como se o tempo pudesse congelar ali, vontando o calendário, para que eu pudesse, de alguma forma, prolongar nossa conexão.

Nestas horas recordo dos conselhos de Lima Barreto, o escritor cuja pena inspira sempre. Tenho certeza que ele entenderia minha dor, pois escrevia sobre a vida dos invisíveis, excluídos, dos sofridos e desfavorecidos. Segurando minha mão, olhando em meus olhos diria com firmeza: “se a tua dor te incomoda, faz dela um poema”.

Nessa melancolia, questiono-me sobre o propósito dessas perdas. Será que a vida tenta nos ensinar algo? Talvez! Curiosamente, em nosso último domingo junto, semana passada, ele ficou aos pés da cama assistindo a minha leitura do livro “A Morte É Um Dia Que Vale A Pena Viver”, da médica e escritora Ana Arantes. Acho que a finitude nos ensina a valorizar o que temos enquanto temos. O Roscoe foi embora, mas o amor que ele me proporcionou jamais se esvairá.

Assim, guardo o silêncio em meu coração, pois assim posso ouvir a voz do meu querido amigo, guiando-me para seguir em frente, com a certeza de que ele estará sempre comigo, não apenas como uma lembrança, mas como uma presença eterna em minha alma.

Tarciso Souza, jornalista e empresário

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