A rotina apressada esconde dos olhos um amontoado de gente, de bicho, de tantos que a dignidade foi embora, roubada de futuro, perdida, sem esperança ou desejo… sem um punhado qualquer de vida. Os invisíveis da sociedade estão ai: vítimas das circunstâncias, de seus erros, omissões e falhas do Estado, habitando corpos que encontram, sob o abrigo do céu aberto e as estrelas cintilantes, a margem para existir. Parece que, enfim, o Brasil acordou e começará a enxergar a necessidade da construção de políticas para os moradores em situação de rua.
É notável e histórica a decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Nesta semana o magistrado estabeleceu o prazo de 120 dias para apresentação de uma política nacional, que caminhe para oferecer luz para realidade apagada dos desamparados. Contra a barbárie, a insanidade, a falta de compaixão e empatia, infelizmente precisamos da força da lei para obrigar a compreensão de algo que deveria ser natural: estender a mão para ajudar a resgatar a humanidade desaparecida do irmão em situação de rua.
É preciso enaltecer os esforços para mudar o destino desses cidadãos. Reconheço que não gosto da interferência do judiciário no andar do Executivo e Legislativo. Mas, como disse certa vez o falecido governador Luiz Henrique, “o vazio de governo cria o vazio de Congresso, que cria o vazio nacional e espalha a desgraça, o desalento”. Nestas horas, o judiciário ganha espaço para pacificar e dar pernas aos temas empacados.
É essencial lembrar que essa determinação – ainda que tenha demorado para chegar – surge após anos de omissão por parte do Executivo e Legislativo. O apelo partiu das vozes do PSOL, Rede Sustentabilidade e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto durante os anos de governo Bolsonaro, quando cresceu vertiginosamente o número de moradores em situação de rua.
Os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) nos mostram uma explosão de gente sem um teto. O que exige soluções imediatas. Esse aumento alarmante superou, em mais de 200%, o crescimento populacional. Se este dado não é para os gestores públicos um alerta, se não toca o coração para nossa consciência coletiva, então resta apenas esperar a barbárie completa.
A proibição de obras com arquitetura hostil, por exemplo, que também está no despacho de Xandão, o apelido carinho do Ministro, representa um passo em direção à humanização do espaço urbano. Também é digno de aplausos que daqui em diante o recolhimento forçado de humanos e seus pertences foi proibido. Muitas vezes são os objetos carregados por eles o que sobrou de alicerce de um passado, ou um fiapo de sanidade que pode ajudar na reconstrução do caminho dessas pessoas. Além disso, pela primeira vez o Estado brasileiro terá que garantir abrigo aos animais dos moradores de rua. Um gesto de compaixão que também merece todo destaque.
Que a decisão do Ministro Alexandre de Moraes seja o primeiro capítulo de uma história repleta de ações humanitárias e políticas transformadoras. A partir de agora, ao que parece, o judiciário estará mais atendo para o uso da estrutura pública para a prática de aporofobia, punindo o agente que prega a “higienização social”, a invisibilidade dos desamparados, que tenta empurrar de volta para a sociedade a responsabilidade por sua omissão.
Quem sabe, eu tenho esperança, que este é um marco na construção de um país mais justo, onde todos tenham um lar, uma oportunidade e a certeza de que não estão sozinhos nesta caminhada chamada vida. Desejo que essa decisão permita à capacitação dos agentes para tratar com dignidade e respeito a população de rua, e a construção de laços de solidariedade e compreensão no coração de cada um de todos os brasileiros.
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