Na era em que o açúcar adoça nossos prazeres, o álcool embala as noites deliciosas, que a gordura e aditivos químicos preenchem os mais puros desejos culinários, é curioso notar que resistimos tanto em discutir, sem demagogias, sobre às substâncias e entorpecentes na saúde pública. Nesse mundo em que vivemos, o vício em telas tem se mostrado um mal tão poderoso quanto qualquer psicoativo. E os conservadores, defensores ferrenhos da moralidade, seguem fechados contra uma regulamentação da ferramenta que coloca muitas porcarias para dentro da cabeça de milhões.
Veja só como o Brasil é lento: o Supremo Tribunal Federal retomou esta semana um julgamento que já leva 12 anos para encontrar um fim. Enquanto isso, o Congresso Nacional, em seu metaverso distante da realidade brasileira, não foi capaz de melhorar a lei e esclarecer quem é usuário e quem é traficante, deixando um tema importante em um limbo jurídico.
Com o julgamento se arrastando no tempo, a guerra nacional às drogas mostrava-se falida. A cada ano que passa deixa também um rastro de vidas perdidas e problemas emocionais nas comunidades mais pobres e periféricas. Hoje, quase 70% dos presos no Brasil são negros e praticamente a metade do total de encarcerados está lá por envolvimento com drogas. E o país vai seguindo, gastando mais de R$ 50 bilhões anualmente em uma política de segurança pública ineficaz para promover a paz e eficaz para eliminar uma classe social.
Mais do que a perseguição do Estado aos usuários de drogas, existe um preconceito enraizado na sociedade ao abordar esse tema. Será que, se a ciência divulgasse que a maconha ajuda em problemas sexuais, muitos conservadores enrustidos sairiam do armário e passariam a defender a liberação da cannabis? Talvez seja uma forma irônica de provocar reflexão sobre a visão preconceituosa e limitada que muitos têm sobre esse assunto.
Tenho a percepção que estes dias guardaram para sociedade uma preocupação exagerada com sexo do outro, com o que é colocado em nossos corpos. Penso que talvez seja hora de olharmos mais para o que é injetado em nossas mentes. Assim como a indústria da comida se beneficia das fraquezas por açúcar, álcool e gordura, as redes sociais também encontram maneiras de prender a atenção, explorando vulnerabilidades psicológicas. As drogas lícitas, muitas vezes, impactam e provocam mais malefícios que um prensado no bolso do pobre, capaz de custar anos de prisão ou o fim da jornada na terra.
Quer outro exemplo claro que fechamos os olhos para as discussões importantes? O governo de São Paulo resolveu proibir o uso do material didático gratuito do MEC em 2024, preferindo um modelo 100% digital, ignorando as condições precárias de algumas escolas que nem água potável e infraestrutura nos banheiros possuem. É a ignorância como ideologia, uma escolha condenada pelos educadores do mundo todo, e que se assemelha à demora em definir a questão da maconha: uma burrice.
Enfim, a discussão no STF e as políticas adotadas pelo governo paulista mostram o quanto o Brasil precisa evoluir no tratamento de temas importantes. É hora de deixar tudo mais gostoso, no melhor sentido possível. Quem sabe, proibindo a internet, o sexo e o açúcar, possamos começar a permitir o debate franco e aberto sobre o que relevante, buscando soluções mais sensatas e efetivas para os desafios que enfrentamos nas esquinas de cada cidade.
Mas não se preocupe, afinal, tudo que é proibido é sempre mais gostoso. E enquanto a política se diverte com suas piadas de mau gosto, as vidas vão se perdendo em um labirinto de hipocrisia. Quem sabe um dia, o país acorde para a realidade e deixe de lado a proibição e o moralismo barato, abrindo caminho para um futuro mais ousado, livre e prazeroso.
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