Recentemente uma declaração do governador de Minas Gerais, Romeu Zema defendendo a união dos estados das Regiões Sul e Sudeste, responsáveis por cerca de 72% do PIB nacional, para juntas buscarem mais protagonismo político, repercutiu intensamente na mídia e na política, recebendo tanto desaprovação, como apoio.
De forma objetiva, as falas do governador mineiro são apenas mais um capítulo da realidade caótica do federalismo brasileiro. É rotineiro no país o fato de que os estados estão há décadas, atravessado dificuldades financeiras, e os municípios vêm passando por situação ainda pior. Ambos dependem muito do governo central, o que faz com que fiquem suplicando por recursos, e sujeitos à vontade do Palácio do Planalto.
O sociólogo Flávio Pepinelli resumiu bem três pontos desse malsucedido quadro federativo: 1) A forte centralização legislativa do atual formato institucional federativo, que restringe a autonomia legislativa dos estados para criar leis em conformidade com seus interesses e necessidades; 2) a representação política desproporcional à força econômica dos estados mais desenvolvidos; 3) a pressão tributária excessiva imposta aos estados pelo governo federal.
Na realidade, o pacto federativo brasileiro é um embuste, pois, carece de equilíbrio real de autonomia entre os três entes federados. A União detém poderes abrangentes, conforme o artigo 22 da Constituição, abarcando temas que vão desde legislação civil até diretrizes da educação nacional. Essa concentração de poder mina a autonomia de estados e municípios, limitando suas competências e impactando áreas como comércio, transporte, recursos naturais e até diretrizes e bases da educação. Em virtude disso, o sistema federativo brasileiro revela desequilíbrios que exigem reflexão e revisão urgente, quanto à distribuição adequada de competências governamentais.
Mas, além de centralizador, o Estado brasileiro é também, grande e caro. A propósito, o tamanho do Estado é o cerne da diferença entre o pensamento conservador (direita) e o progressista (esquerda). O pessoal da direita sustenta que o papel do governo federal deve ser limitado a uma governança nacional, e os estados terem maior representatividade e poder legislatório. Já a ala esquerda crê que um governo forte e centralizado é preferível, pois aplicaria um estado de direito consistente em todos os estados.
Assim sendo, é fundamental destacar a importância da descentralização política e administrativa dos estados da federação. O Brasil é um país continental com enormes diferenças geográficas, climatológicas e culturais e seus estados são desiguais no âmbito socioeconômico. Essa questão das desigualdades regionais existentes é um debate antigo, haja vista que, é notório observar que as Regiões Sul e Sudeste são mais desenvolvidas em comparação com as demais regiões brasileiras.
Lew Rockwell, economista americano tratou do princípio da descentralização em 2005, em um ótimo artigo chamado “O que queremos dizer com descentralização”, onde escreve que o federalismo pleno, ou descentralização emerge como uma solução viável a curto prazo. Porém, para isso é necessário plena autonomia local em relação ao governo federal. No entanto, alcançar esse objetivo não é simples, demandando organização política, persistência e uma população educada nos princípios da liberdade.
Rockwell destaca que um governo descentralizado é mais compatível com a liberdade a longo prazo. No modelo descentralizado, jurisdições competem por residentes e investimentos, fomentando liberdade e evitando totalitarismo em caso de autoritarismo local. Governos próximos às pessoas tendem a criar leis menos opressivas e detectar corrupção mais eficientemente.
A descentralização política combate desigualdades regionais, promove liberdade e evita concentração excessiva de poder central. Logo, um governo menor permite mais escolhas individuais, estimula a inovação e o crescimento econômico.
Voltando ao discurso do governador Zema, em 2022, os 27 estados do Brasil receberam de volta por meio de repasse da União apenas ¼ do que arrecadaram em tributos. Todos os estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste pagaram mais ao governo federal do que receberam.
Por outro lado, as regiões menos desenvolvidas do país vêm recebendo esses recursos há décadas, e ainda assim, não apresentaram avanços significativos nos indicadores de pobreza, desigualdade e outros resultados. Nesse espaço de tempo, a arrecadação federal e os repasses por meio de fundos só cresceram.
Todavia, cabe ponderar que, a disparidade de desenvolvimento entre as regiões do Brasil decorre de uma combinação de fatores que vão além desses repasses assistencialistas. Fatores históricos, geográficos, socioeconômicos e culturais, também desempenham um papel relevante nessa equação.
Mas, a alocação eficiente dos recursos é fundamental, e certamente existem falhas na gestão e na implementação de programas que garantam um impacto positivo duradouro nessas regiões mais pobres, como, a corrupção e a má administração. À vista disso, o número de beneficiários do Bolsa Família é maior que o de trabalhadores com carteira assinada em 13 estados do Norte e Nordeste brasileiro.
Portanto, diante do exposto, o governador mineiro está correto, no que tange as regiões Sul e Sudeste exercerem uma participação mais ativa no cenário político. Dessa forma, terão uma voz mais forte na discussão e formulação de políticas que afetam a distribuição de recursos, repasses e investimentos entre os estados.
Afinal como disse economista hispano-argentino, Carlos Rodriguez Braun, “A redistribuição não é dos ricos para os pobres, mas dos grupos desorganizados politicamente para os organizados”.
Sugestão de música: Comida, dos Titãs.
Jorge Amaro Bastos Alves, economista e professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da UNC.
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