Opinião | Quando o voto não é no partido, qualquer governo sofre

Foto: Brendan Smialowski/AFP

Lula anunciou a criação de mais um ministério, o 38º. Entre o espanto de alguns e a inocência de muitos, trata-se de mais um passo para um governo que segue encarando lutas difíceis. Como os desafios não são pequenos, como é o caso da reforma tributária, quem precisa de votos não tem como fugir do Centrão. No caso, a troca por apoio tinha como parte do preço o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que tem sob a sua responsabilidade nada menos que o Bolsa Família.

Todo governo precisa negociar, mas essa pasta tem um papel simbólico para o eleitorado de esquerda. Como seria a repercussão se logo esse ministério, responsável por iniciativas de ajuda à população em situação de vulnerabilidade social, fosse dirigido por um político que não tem histórico de defesa dessas pautas?

Em um movimento típico de Lula, encontrou-se um caminho do meio e nasce o tal novo ministério, que vai promover iniciativas para as pequenas e médias empresas, cooperativas e empreendedores individuais. Foi uma saída engenhosa porque não é necessariamente uma pasta anônima e alia demandas da direita e do centro.

Esse é só um dos movimentos por trás da reformulação dos ministérios, que visa agregar aproximadamente 60 votos com a inserção de PP e Republicanos à base de votação do governo. A dúvida no número se deve ao fato de que, na política, nem sempre 2 + 2 é 4. Por isso, nesse acordo ninguém está iludido, principalmente porque os envolvidos não têm afinidades, sem falar na fome insaciável do Centrão por mais cargos. Enfim, todo mundo sabe que se a situação mudar, se não acabar, a aliança será renegociada.

Não é bonito, mas ainda é assim.

O pecado original

Era uma vez, um país onde as pessoas reclamam muito dos políticos, mas costumam votar como se eleição fosse futebol. É como torcer pelo Flamengo por causa do Gabigol, sendo que ele não resolve tudo sozinho, e mesmo assim xingar o craque quando o time vai mal.

Na vida real, ninguém ganha jogo sozinho. Quando se vota em um “iluminado”, sem pensar que ele precisa de deputados e senadores para apoiá-lo, o eleito acaba governando com gente que defende valores muito diferentes dos seus. Aí, resta negociar com quem quiser conversar e, nesse quesito, quem está mais aberto que o Centrão? Aliás, apelidados no aumentativo exatamente porque são muitos e podem decidir a vitória ou derrota em votações de interesse para qualquer governo. Pode-se reclamar deles, mas não há como ignorá-los.

Então, compreende-se o panorama atual: muita gente votou no Lula, mas não exatamente no PT ou em seus aliados. Situação complicada, em especial para quem se aventura em desafios históricos como a aprovação da reforma tributária, que precisa do voto até de quem torce contra. Aí, haja paciência, entre um e outro “toma lá, dá cá”.

Fernando Ringel, jornalista e professor universitário

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