Opinião | Com o fim da CLT e a ascensão do CNPJ: é hora de uma nova revolução?

Foto: Lunch atop a Skyscraper/Divulgação

O acumulo de riquezas em poucas mãos, em pequenos grupos familiares, não é exatamente uma invenção do mundo moderno. Bárbaros invadiam outros povos para obriga-los a fazer aquilo que eles julgavam desprezível. Os impérios forçavam súditos a entregarem a vida para as vontades das famílias reais. Grosso modo, acontece que antigamente os mais ricos exibiam títulos de posse da vassalagem. Hoje, eles possuem boletos de cobrança, faturas de cartão de crédito, contratos de prestação de serviços, subordinados escrevendo leis e governando. O instrumento destes dias, para torturar e estimular uma corrida louca na roda dos ratos, é a eliminação de garantias mínimas na geração de sustento.

Como diz a música dos Racionais Mc’s, “eu era a carne, agora sou a própria navalha”. Se a revolução industrial provocou o planeta para uma profunda reorganização das liberdades e sonhos relacionados ao trabalho, o tempo atual parece estimular novas e urgentes reflexões. Talvez seja o tempo de repensar tudo: do funcionamento dos meios de troca do próprio esforço por dinheiro, ao questionamento mais duro com a distribuição das heranças.

Na semana que passou, o Presidente Lula, nos Estados Unidos, esteve com o Presidente Joe Biden para uma reunião histórica. O encontro, intitulado “Parceria pelos Direitos dos Trabalhadores e Trabalhadoras”, marcou a primeira iniciativa da maior potência econômica do planeta para discutir aos direitos laborais. Em uma página da humanidade onde as novas tecnologias reconfiguram a busca pelo sustento, nasce no horizonte uma perspectiva que a luta dos trabalhadores poderá, finalmente, transcender a mera subsistência, avançando, agora, uma batalha por melhores condições de vida.

Se existisse a possiblidade de transportar no tempo Luis Gama, José do Patrocínio, André Rebouças e outros abolicionistas, certamente eles expressariam perplexidade diante das transformações ocorridas no mundo do trabalho. Quando estes brasileiros viviam, a luta laboral estava em suas fases iniciais, e o grito por liberdade física era premente. Hoje, porém, a batalha é outra: uma busca incessante por dignidade em meio à corrida dos infernos para quitar boletos, correr das armadilhas da dependência de qualquer meio que garanta um tostão. Seja para manter um padrão social, para o direito de sonhar com um amanhã mais promissor ou, ainda, meramente colocar comida na mesa.

Dados do governo indicam que quase 25 milhões de CNPJs estão ativos no Brasil, dos quais 94% correspondem a microempresas e empresas de pequeno porte. Essas organizações desempenham um papel que antes era reservado principalmente à agricultura: garantir a subsistência de famílias inteiras. Uma parte dos CNPJs ativos, aproximadamente 3 milhões, são pequenos comércios, modestas lojas cujas vendas proporcionam alimento e um mínimo de dignidade aos empreendedores.

Além disso, o Brasil conta com mais de 15 milhões de Microempreendedores Individuais (MEIs). No entanto, esses números não pintam o quadro completo da realidade. Atualmente, cerca de 40 milhões de brasileiros atuam na informalidade, ocupando postos como vendedores ambulantes, profissionais de limpeza de para-brisas e tantos outros que encontram na criatividade, nas ferramentas digitais e nas ruas seu meio de subsistência.

As redes sociais, por outro lado, propagam um desejo sem fim de imediatamente atingir, comprar e visitar lugares. Gerando uma ansiedade por conquistas inalcançáveis. Nestas plataformas, parece não existir empreendedor que fracasse. A falência, algo natural para quem está, como diria Theodore Roosevelt, “por inteiro na arena da vida, com o rosto manchado de poeira, suor e sangue”, se tornou sinônimo de desleixo e falta de determinação por parte do dono do CNPJ. Esse equívoco na percepção da sociedade constitui um obstáculo significativo para a construção de uma comunidade mais autônoma.

Será que as cidades que proíbem o livre comércio nos semáforos, negando até mesmo a oportunidade de regularizar tais atividades, estão dispostas a apoiar as pequenas empresas que trabalham arduamente para desenvolver produtos, serviços e comércio? Seria o empreendedor que luta por um pedaço de pão, por três refeições dignas, pertencente de uma subcategoria de gente que se esforça para sobreviver? A sociedade precisa reexaminar o trabalho para além do prisma financeiro, compreendendo as dimensões sociais, ocupacionais e de promoção da dignidade, permitindo a ascensão social e não uma prisão que, para sair, o indivíduo está jogado a própria sorte.

Hoje, os aplicativos, como por exemplo o Uber, substituem a tradicional carteira de trabalho. Essa nova forma de disponibilizar a força de trabalho tem revolucionado o mundo, tornando o futuro mais incerto para todos. As lutas evoluíram, mas a busca por justiça, dignidade e um futuro melhor permanece intacta. Precisamos, sem dúvida, de um novo marco para nossas relações de troca de esforço e bonificação das produções individuais. Esta parceria entre brasileiros e americanos é um bom início nesta direção.

Tarciso Souza, jornalista e empresário

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