Projeto parlamentar para denominar patrimônio cultural tem vício de iniciativa

Foto: Bruno Collaço

Segundo representante do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), projetos de leis de origem parlamentar para denominar expressões da cultura como Patrimônio Cultural Imaterial têm vício de iniciativa porque geram despesas para o Executivo.

A informação foi verbalizada durante o seminário “Patrimônio Cultural Imaterial: sinergias entre os poderes e a sociedade”, organizado pela Escola do Legislativo Deputado Lício Mauro da Silveira e pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Alesc e que aconteceu nesta segunda-feira (4), no Plenarinho Paulo Stuart Wright.

“Nosso diálogo com a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados para encontrar um caminho de sinergia começou em 2015 e hoje temos súmula da Comissão com recomendação para os relatores dos projetos de leis. Somente os executivos ou entidades civis podem iniciar o processo. Uma iniciativa parlamentar não gera a obrigação do Executivo de instaurar processo”, explicou Diana Dianovski, coordenadora-geral de Identificação e Registro do Patrimônio Imaterial do Iphan.

A solução encontrada, de acordo com Dianovski, foi sugerir aos deputados federais empregar o termo “manifestação da cultura nacional”, ao invés do termo “patrimônio cultural”.

“No caso do projeto de lei que reconhece como patrimônio cultural imaterial as obras do poeta piauiense Torquato Neto, o deputado-relator sugeriu trocar a terminologia para manifestação da cultura nacional. Foi esse o caminho encontrado e cada vez mais o assunto está pacificado com o Legislativo”, reconheceu a servidora do Iphan.

Luciane Carminatti (PT) admitiu que os projetos de origem parlamentar que declaram expressões culturais como patrimônio cultural foram deliberadamente “segurados” pelos representantes do povo.

“Foi sempre um esforço grande segurar iniciativas parlamentares que davam entrada com objetivo de denominar patrimônio cultural. O último foi a Marcha para Jesus. Sempre defendi que quem é da área da cultura é que tem de fazer isso, no caso a Fundação Catarinense de Cultura (FCC)”, opinou Carminatti, referindo-se aos necessários estudos para sustentar um pedido de declaração de patrimônio cultural.

A deputada alertou para o casuísmo político e defendeu a criação de regras para a declaração de patrimônio cultural e imaterial.

“Tem de ter um regramento, espero que se retome o debate na tratativa com a FCC e que os deputados possam apresentar projetos, mas antes da apresentação deveria ter um dossiê técnico da FCC”, avaliou Carminatti.

Marquito (Psol) concordou com Carminatti.

“Os deputados são pressionados por suas bases, que colocam temas e a gente acaba não fazendo uma avaliação técnica e acadêmica desse processo, por isso temos nos manifestado contrariamente a essas iniciativas”, confirmou Marquito.

Critérios adotados pelo Iphan

Conforme explicou a coordenadora-geral de Identificação e Registro do Patrimônio Imaterial do Iphan, são três os critérios que determinam se uma expressão cultural pode ser declarada patrimônio cultural.

“A relevância, a continuidade história e a referência cultural. É preciso que sejam manifestações importantes, constituidoras de identidade de um determinado grupo social, com transmissão de ao menos três gerações”, apontou Dianovski.

O caso dos engenhos de farinha

Gisele Miotto, educadora e articuladora da Rede Catarinense de Engenhos de Farinha, revelou como foi possível organizar os engenhos de farinha na região, mapeando os engenhos ativos e organizando as comunidades para reivindicarem a declaração de patrimônio cultural.

“Os engenhos estavam desarticulados, então de 2010 a 2014 iniciamos a articulação promovendo diversas ações, como educação alimentar, intercâmbios, trocas de ramas de mandioca (mudas) e debates para levar a farinha de mandioca para alimentação escolar”, informou Gisele Miotto.

O mapeamento realizado pela Rede localizou 88 engenhos ativos nos municípios de Imbituba, Garopaba, Florianópolis, Angelina e Bombinhas.

“Quem está fazendo a salvaguarda dos engenhos são as comunidades, sem apoio nenhum, abrindo roça na raça, mantendo as peças na raça, mas a salvaguarda está sendo feita, independente do processo de declaração de patrimônio estadual e nacional”, afirmou a articuladora.

Marlene Borges, engenheira agrônoma, artesã e defensora do Sistema Agrícola e Pesqueiro Tradicional dos Areais da Ribanceira, de Imbituba, também destacou a importância do comprometimento da comunidade.

“A comunidade dos Areais da Ribanceira é majoritariamente formada por descendentes de açorianos, esta é uma cultura de resistência e que está organizada há mais de 200 anos”, ponderou Marlene, acrescentando que os pescadores e agricultores locais se organizam para a pesca de arrasto, para produzir farinha, para os  mutirões e para as festas religiosas.

Seminário concorrido

Prestigiaram o seminário representantes do Iphan; da Rede Catarinense de Engenhos de Farinha; do Cepagro; NEA-UFSC; Boi de Mamão de Bombinhas; Associação dos Pescadores do Campeche; do Coletivo de Benzedeiras da Ilha; Udesc, FCC, Fundação Franklin Cascaes e de entre outras instituições públicas e privadas.

O seminário “Patrimônio Cultural Imaterial: sinergias entre os poderes e a sociedade” prossegue com a mesa redonda “O papel do legislativo na patrimonialização de bens culturais e imateriais”, além da participação de benzedeiras da Ilha de Santa Catarina e um lanche oferecido pela Rede Catarinense de Engenhos de Farinha.

Fonte: Alesc

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