Opinião | Não é justiça: pena de morte, tortura ou mutilações expõe o desejo de vingança

Imagem gerada com IA

Em (in)certos momentos, como este que atravessamos, parece que a sociedade mergulha nas trevas e reencontra o pior do que a terra já viveu. Reduzimos o humano, infeliz desconhecido, a um fiapo de nada, misturado com outro punhado daquilo que descartamos diariamente. Leva um tempo, eu sei, para uma reorganização que envie para jaula o que existe de mal e que toma conta do coração de muitos. A ciência de registrar a evolução ensina que, com o avançar dos anos, vamos deixando no porão as práticas cruéis e partimos para recriminar o exercício da barbárie. Precisamos muito, nesta quadra da história, de uma rápida diminuição do ódio, do retorna da racionalidade e de agentes globais de promoção da paz e conciliação.

O caso do homem asfixiado no Alabama, nesta semana que vencemos, é um exemplo evidente, uma mancha na história, um lembrete sombrio de propensão à brutalidade que podemos vivenciar. Na nação mais rica e, teoricamente, mais evoluída do planeta, ao injetar gás nitrogênio em um apenado, expõe as entranhas de um sistema que muitas vezes se disfarça de justiça, mas carrega consigo o odor pútrido da vingança. Em sua frieza implacável, não apenas ceifa uma vida, mas também iguala o Estado ao criminoso.

No cáustico palco da busca por justiça, somos confrontados com um dilema que transcende a mera aplicação da lei: o desejo insaciável por vingança, um eco ensurdecedor que reverbera através das cicatrizes da sociedade. A execução, em sua brutalidade, choca e faz emergir a discussão sobre a eficácia das medidas extremas. A sociedade, sedenta por um senso de justiça imediato, muitas vezes negligencia as implicações morais e práticas de tais ações. A asfixia com gás nitrogênio, tão medieval quanto cruel, levanta dúvidas sobre o papel da pena capital na civilização moderna.

Nunca defenderei que um criminoso que cometeu um delito grave deixe de cumprir a sua pena. Também compreendo claramente a necessidade de discutirmos o aprimoramento das medidas aplicadas aos condenados, especialmente em casos hediondos. Mas, as estatísticas revelam que nada que possa acontecer no futuro (prisão, morte) é capaz de frear o ímpeto doentio de um bandido. Logo, qualquer fim, castigo, tortura ou mutilação, ainda que previstas em lei, não contribuem para redução de um crime. Portanto, é fundamental compreender e encontrar maneiras de antecipar a presença do Estado para reduzir a chance do cometimento de um ato de violência.

A execução que ocorreu nos Estados Unidos acendeu o desejo por sangue de alguns embustes da política brasileira. Num triste espetáculo, muitos autointitulados líderes cristãos, sob a égide de uma moralidade exacerbada, levantam a bandeira da pena de morte, da castração química, como uma resposta simplista aos horrores, tais como da violência sexual.

No entanto, por trás dessa proposta aparentemente firme, esconde-se a fragilidade de uma medida não apenas ineficaz, mas também demagógica.

Ficamos com o tema castração química, para não alongar tanto assim esta reflexão. Propagandeada como uma panaceia para crimes sexuais, revela-se, na prática, como um engodo perigoso. Primeiramente, desconsidera a complexidade do assunto. Depois parte para uma abordagem simplista, que não leva em conta fatores psicológicos, sociais e educacionais que contribuem para tais atos, tornando-a, portanto, uma solução superficial e limitada. Como escrevi anteriormente, o bandido não teme a pena quando ele está atacando a vítima.

Vejamos o exemplo, à sombra desse debate, que emerge do caso angustiante de Mariana Ferrer. A vítima busca por justiça e é obstruída pelas intricadas teias do sistema judiciário e do poder financeiro do acusado de ser o abusador. Enquanto alguns políticos clamam por medidas draconianas, casos como o de Mariana evidenciam e destroem a retórica da castração química, pois a realidade cruel é que a impunidade persiste quando o suposto bandido é de uma classe social privilegiada e o sofrimento imposto a vítima se perpetua. De um lado a mulher luta por um fio de esperança, clamando justiça, e o empresário endinheirado dança entre as brechas da lei, manipulando o sistema como quem brinca com peças em um tabuleiro de xadrez.

Mas o debate sobre penas capitais e outras punições irreversíveis não se esgotam somente na escolha do apenado que pode ser abraçado por tal medida. A retórica centrada na castração química, por exemplo, muitas vezes negligencia a possibilidade de mulheres serem perpetradoras de crimes sexuais, e que os atos de violência sexual não estão limitados aos de penetração com o pênis. Ou seja, perpetua estereótipos extremamente prejudiciais para o debate sério do assunto. Também fico intrigado: como seria justificada e aplicada essa medida quando a agressora é do sexo feminino?

Devemos atentar, ainda, para questões éticas e de direitos humanos. A imposição de um procedimento irreversível, como a castração química, levanta preocupações sobre a dignidade e a integridade do indivíduo, independentemente do crime cometido. A justiça, para ser verdadeiramente justa, deve respeitar os princípios fundamentais que regem a humanidade, mesmo quando confrontada com atos hediondos. Além disso, sejamos claros, a justiça também pode erra e, com uma medida extrema como a castração, pouco sentido teria no reconhecimento que a decisão inicial foi torta e produziu uma injustiça.

Portanto, ao invés de buscar soluções simplistas e demagógicas, é imperativo que os líderes políticos abordem a legislação criminal com uma visão mais abrangente e inclusiva, promovendo medidas que atuem nas causas subjacentes, que ajudam e fazer justiça e, o mais importante, que evitem a explosão de crimes. Que os legisladores não sejam influenciados por desejos de vingança que emerge quando uma crueldade é praticada e atiça a sociedade. Não podemos disfarçar a justiça e confundi-la com castigo, uma inclinação natural da humanidade ao longo dos séculos.

Tarciso Souza, jornalista e empresário

2 Comentário

  1. No Brasil não temos juízes ou cortes que possam aplicar a penas irreversíveis , somos carentes de justiça.
    Mas…pedofilia se devidamente provada , é no mínimo , perpétua .

  2. Francamente: o que há de errado em punir um verme que assassina crianças ou coisa que o valha? A justiça do Estado de direitos não contempla a indignação da Sociedade. Não se acredite que criminosos não calculam seus atos antes de os cometerem. Quando a recompensa é maior que a punição, eles decidem pelo ato que vai lesar outra pessoa, sem o menor respeito. Essa frouxidão com assassinos e ladrões é um dos sinais da decadência do Ocidente. Sugiro ler uma pesquisa que o Professor paranaense Pery Ishida fez entrevistando criminosos.

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