Desde muito tempo as pessoas preferem investir em negócios sustentáveis. Não querem estar associadas a empresas que não respeitam os direitos humanos, o meio ambiente e a diversidade étnica e cultural. Não é desejável, nem ético, contribuir com o trabalho escravo, com a manutenção do racismo, do machismo estrutural, com a corrupção e as negociatas, mas hoje as decisões sobre os investimentos estão ainda mais atentas e levam em conta questões muito mais sutis sobre o grande debate da sustentabilidade e suas múltiplas dimensões. É o que propõe a sigla ESG (Environmental, Social and Governance). Essa agenda propõe a promoção das melhores práticas ambientais, sociais e de governança e tem como objetivo avaliar e gerir os impactos que podem ser causados pela empresa à sociedade e ao meio ambiente. Nessa conversa, daremos ênfase à dimensão social, tomando como referência o debate da diversidade e da inclusão.
Para entendermos melhor o contexto de surgimento dessa discussão, é necessário lembrarmos de que o debate sobre diversidade e inclusão começa com os movimentos sociais da década de 1960 – movimento ambiental, de mulheres, movimento hippie, movimento gay, movimento negro, dentre outros. Mais tarde, por volta dos anos 1980, esses movimentos começam a se tornar objetos de estudos de várias ciências, especialmente das ciências sociais. Eles entram para os espaços universitários e são desenvolvidas pesquisas acadêmicas sobre os movimentos, sobre os direitos humanos, sobre desigualdade, sobre as implicações éticas a respeito dessas pautas e tantos outros estudos. Hoje, além dessas discussões permanecerem nos espaços universitários, elas encontram ressonância nas políticas institucionais dentro de instituições públicas e privadas.
Avançamos, por exemplo, do debate sobre a diferença salarial entre homens e mulheres (não que tenha sido superado) para a discussão sobre o manterrupting e o mansplaining no ambiente de trabalho. Ou seja, não se trata mais de entender que existem diferenças e assimetrias históricas, entre os distintos grupos sociais, mas do que se pode fazer para modificar essas realidades.
É fato que as empresas nem sempre tiveram essas preocupações. Houve um tempo em que a superexploração da mão de obra e dos recursos naturais eram a tônica dos modelos de gestão. Quem não se lembra dos Tempos Modernos de Chaplin?
Mas ainda bem que essas instituições se modificam, não é mesmo? Isso ocorre porque, em parte, reproduzem os comportamentos sociais, os valores, e a cultura do ambiente em que estão inseridas. E nós sabemos que as sociedades humanas, principalmente as sociedades ocidentais, vêm produzindo e defendendo valores democráticos em que os direitos de todas as pessoas devem ser respeitados, independentemente de sua classe social, raça, orientação sexual ou religião.
As sociedades aprenderam muito com os erros do passado, com os conflitos e as guerras, e o que se produziu a partir desses embates, como as invasões e o extermínio de povos inteiros, baseados na ideia de que a heterogeneidade e a uniformização étnica e cultural produziriam sociedades melhores.
Todos sabemos das consequências terríveis desses atos e, sem dúvida alguma, esses erros contribuíram para a construção de uma moral comprometida com uma sociedade mais justa e igualitária. É saudável que as sociedades e grupos humanos permaneçam com as suas diferenças, mas que sejam preservados os seus direitos e, sobretudo, a igualdade de oportunidades. Parafraseando Boaventura Souza Santos, devemos “[…] defender a igualdade sempre que a diferença gerar inferioridade, e defender a diferença sempre que a igualdade implicar descaracterização.”
É importante destacar que esses valores permeiam as relações econômicas, não apenas como valores humanos, mas também como valores econômicos. Explico isso melhor: não é apenas porque desenvolveram, até certo ponto, um senso de justiça e igualdade, que as empresas estão cada vez mais investindo na humanização dos seus processos. Em parte, as empresas passaram a se preocupar com a sustentabilidade ambiental, social e econômica porque perceberam que estar alinhadas a esses interesses é muito bom para os negócios, e dispor desses valores custa, e muito, para elas.
Temos vários exemplos de empresas que tiveram suas marcas arruinadas por não desenvolverem políticas e programas voltados a ESG. Uma das maiores empresas de mineração do mundo, a Vale, é uma delas. Quase quatro anos após o desastre ambiental de Brumadinho, ainda não encontrou o caminho para restaurar sua imagem. Não é o objetivo trazer uma lista das empresas que seguiram o mesmo caminho que a Vale, mas não são poucos os casos de marcas que ficaram conhecidas nos noticiários por conta de situações comprovadas de assédio moral, sexual, racismo, xenofobia e outras situações de desrespeito aos direitos humanos.
O contrário também se aplica. Quantas empresas conhecemos que alavancaram suas marcas devido à associação com bandeiras de inclusão, diversidade e respeito ao meio ambiente. Ou seja, considerando os valores socialmente aceitáveis nos dias de hoje, não participar dos projetos de inclusão, de governança e ambientais gera prejuízos às marcas. Mais do que ganhar, as empresas deixam de perder.
Há muitos motivos pelos quais devemos promover a inclusão e a diversidade nas empresas. O primeiro deles está relacionado à possibilidade de combater o “pensamento de grupo”, facilmente encontrado da maioria das empresas. Um grupo de gestores, com perfil homogêneo, produzirá respostas muito parecidas para um mesmo fenômeno. Ou seja, podemos pensar, por exemplo, que um grupo de homens, brancos, de classe média, heterossexuais e cristãos tenham em comum a maneira de pensar e entender o mundo, porque suas experiências de vida, referências socioculturais e econômicas são basicamente as mesmas.
Ao contrário, um grupo diverso: homens e mulheres de diferentes classes, gerações, gêneros e etnias possuem visões distintas da realidade, por conta do lugar social que cada um ocupa, e de como seus corpos, suas, vidas e, principalmente, suas oportunidades são atravessadas por essas posições. Por esse motivo é que empresas diversas e inclusivas são mais criativas e inovadoras. Porque há pluralidade de percepções sobre uma mesma realidade. Enxergando diferente um mesmo problema, é possível obter uma variedade de respostas para resolvê-lo.
De acordo com a revista de Comunicação Empresarial, de 2019, em um estudo realizado por mais de 1700 empresas, de diversos setores e países, comparou-se os percentuais da receita das companhias que correspondiam à venda de produtos lançados nos três anos anteriores e percebeu-se que as empresas com diversidade acima da média em suas equipes de gestão tiveram 45% da receita proveniente da venda de produtos inovadores – em contraste com o faturamento de 26% provenientes de inovações em empresas com diversidade abaixo da média. Além disso, as inovadoras tiveram margens quase 10% mais altas.
A revista citada destaca ainda um levantamento realizado pela Organização Internacional do Trabalho com 13 mil empresas em 70 países, que chegou à seguinte conclusão: “ter mulheres em postos de liderança gera melhor desemprenho nos negócios”. Os percentuais de desempenho se mostram de 5% a 20% superiores em empresas mais diversas. Os estudos também apontam que “times diversos fortalecem a resiliência das companhias – a capacidade de sobreviver e se adaptar ao inesperado”. A diversidade não apenas atenua o risco do colapso do sistema, mas é também o motivo da adaptação.
Esses dados corroboram os números apresentados pela GPTW nas assessorias e formações realizadas na UNIASSELVI no ano de 2021. Por meio de análise de pesquisas realizadas por McKinsey & Company, Harvard Business Review e Gallup, a GPTW destaca que, do ponto de vista da Lucratividade e Competitividade, as empresas que investem em diversidade étnica têm 33% a mais de chances de obter resultados superiores, sendo que as mais diversas em gênero costumam ser 21% mais lucrativas. Do ponto de vista da colaboração e do engajamento, em um ambiente diverso, os colaboradores estão 17% mais dispostos a irem além do exigido, e a ocorrência de conflitos é 50% menor do que em outras empresas. Por fim, do ponto de vista da criatividade e inovação, de acordo com a GPTW, empresas mais diversas registram o dobro de patentes do que empresas sem política e práticas de diversidade.
Essas e outras pesquisas, corroboram o fato de que há ganhos econômicos efetivos na adoção de políticas e programas que levem em conta a diversidade e a inclusão, mas para que um programa de D&I seja comprometido com a qualidade e a eficiência, deve-se levar em conta algumas variáveis. Por exemplo, é preciso ter consolidados os valores dessa nova postura, especialmente entre as lideranças e o setor de gente e gestão. Caso contrário, corre-se o risco de que as ações fiquem restritas ao âmbito do discurso. É necessário construir uma rede de colaboradores engajados, para que sejam inspiração nos espaços em que estão inseridos. Deve-se levar o debate da diversidade e inclusão como um valor para dentro do processo de recrutamento, para que se estabeleça uma cultura de contratação modificada, que ofereça aos distintos candidatos as mesmas oportunidades. Por fim, é importante que o Programa de D&I seja respeitado, devendo haver uma compreensão efetiva sobre a sua relevância por todos os níveis da empresa. Assim, a concretização dos objetivos do programa da diversidade e inclusão não só será consolidado, como estará enraizado na cultura organizacional.
Luciane da Luz, Socióloga
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