As relações entre nações seguem posturas que podem ser alteradas no decorrer do tempo. Se fizermos recortes na história, perceberemos com mais clareza sutis modificações em posicionamentos governamentais que, aparentemente, repousavam na tranquila “lista” de assuntos apaziguados. O campo político internacional é uma área sensível, engloba assuntos econômicos, militares, tecnológicos, culturais, ou seja, incontáveis pontos de atrito manuseados por atores diversos, sejam estatais ou não. Importante entender a utilização do termo “atrito”, neste caso, como pontos de contatos no seu sentido mais amplo possível, desde a definição da mais pacífica ação cooperativa, até a que traduz a mais delicada relação conflituosa.
A relação entre Estados pressupõe atividade humana baseada em interesses. Podem ser de consenso da coletividade ou mera articulação política do grupo predominante na condução do governo, naquele momento. Tentando exemplificar, proponho a seguinte reflexão: seria coerente afirmar que a coletividade do povo alemão estava de acordo com o processo de divisão do país em dois campos políticos e econômicos, distintos e antagônicos, por mais de quarenta anos? Ao que vimos na reação popular durante a queda do muro, ambos os lados não estavam nada satisfeitos com aquela situação. Assim podemos estabelecer a compreensão que o consenso coletivo era a de reunificação; de algum modo as lideranças políticas cederam e o desejo da massa acabou prevalecendo.
Prosseguindo um pouco mais na história, mais precisamente nos tempos atuais, chegamos a um evento bélico de proporções regionais e consequências intercontinentais, que se desenrola entre duas nações que, até a poucas décadas atrás, pertenciam ao mesmo bloco político e econômico. Rússia e Ucrânia protagonizam um conflito armado que transporta para dentro da Europa os terrores de uma guerra com os seus elementos mais cruéis, destruição e morte; algo não vivenciado por esse continente há quase oitenta anos. Justificativas foram apresentadas por ambas as partes, e o apoio internacional tem se mobilizado mais para um lado do que para o outro, isso deixa, ao menos, clara a existência de blocos antagônicos na geopolítica atual. A priori o que está em evidência é a ocupação de parte do território de um Estado soberano, por forças militares de uma nação vizinha.
Na prática esse conflito enfatiza o protagonismo de dois gigantes da economia global. Estados Unidos e China não tardaram a se posicionar; ambos compreenderam haver uma dicotomia política em questão, que coloca a Ucrânia sob um prisma mais ocidental, portanto de influência europeia e norte-americana, e a Rússia em uma contraposição de caráter mais oriental e com consequente identificação chinesa. No tabuleiro da geopolítica as peças são movimentadas de modo gradual. No entanto, um embate militar pode precipitar movimentações até então mantidas em discrição, e nesse caso, novos agentes internacionais surgem com relativo protagonismo. É nesse ponto que inserimos o Brasil na questão.
Não é de hoje que o Brasil se vê em meio a dilemas políticos e comerciais envolvendo ocidente e oriente. Na crise do petróleo (1973-1974) o governo brasileiro decidiu movimentar-se em direção a um pragmatismo político que conduziu o país a uma aproximação com o oriente. Nesse caso significou a aproximação com os países árabes, grandes produtores de petróleo, chegando ao ponto de autorizar a instalação de um escritório da Organização para a Libertação da Palestina na capital federal, provocando tensão em aliados como os Estados Unidos.
Em um passado mais recente, o alinhamento pessoal entre os dois então presidentes, brasileiro e norte-americano, produziu significativa apreensão em analistas que previam tempos difíceis entre Brasil e China. Sempre lembrando que o mercado chinês se destina a maior parte das nossas exportações. Mas o pragmatismo político floresceu nesta questão. Em visita ao Brasil, o atual presidente da China foi recebido, na época, com a respeitabilidade digna de um importante parceiro internacional. O país asiático foi definido como uma nação que “cada vez mais faz parte do futuro do Brasil”.
Nos dias atuais esse pragmatismo se reveste de sensível importância. Cabe ao governo brasileiro equilibrar com muita habilidade uma aproximação pragmática com os russos, nossos parceiros econômicos de significativa relevância, sem se afastar dos Estados Unidos e da União Europeia. Historicamente a chancelaria brasileira tem atuado como patrocinadora da preservação dos interesses do país, trabalhando precipuamente como órgão de Estado. Tal postura é de vital importância para que o equilíbrio e a estabilidade sejam as palavras de ordem nas relações exteriores brasileiras.
Leonardo de San Leandro é acadêmico do curso de Ciência Política.
Parabéns pelo artigo prezado Leonardo de San Leandro.