Opinião | Xenófobos do bem

Foto: Eduardo Valente

Tem gente que considera Santa Catarina um lugar hostil, povoado por chauvinistas e preconceituosos de todo tipo. Tal pressuposto sugere que não gostamos de imigrantes (logo nós), por isso acusados de xenófobos, os “xenófobos do mal”. Sim, porque, acredite quem quiser, existem os “xenófobos do bem”, que são justamente os que nos hostilizam. Em nome do bem, nos maldizem porque nos consideram um mal na raiz, embora desconsiderem a realidade que não orna com esse preconceito.

Já me pronunciei aqui noutra oportunidade sobre isso, mas me chamou à atenção um vídeo que me chegou pelo WhatsApp, sobre uma dessas pessoas do bem, radicada em Santa Catarina. Trata-se de um pronunciamento da ex-senadora Ideli Salvati, também ex-ministra dos direitos humanos de Dilma Roussef. Compreendo que o ambiente de ocasião interfira no raciocínio, conduzindo a razão ao serviço da emoção. Mas, me estarreci com o que ouvi. Abro aspas:

“(…) Venho de um estado; o meu estado é Santa Catarina. Eu não preciso explicar pra vocês que aquilo ali é lindo, é muito belo, é uma maravilha (enaltecendo a natureza, não as pessoas, e fazendo crescer uma ironia que prenuncia a sequência de sua fala): “Mas a gente sofre muito lá, contra aqueles que pregam o ódio, a violência e a discriminação” (já sem ironia alguma). E, depois, faz o favor de lembrar que é o estado com o maior número de “células nazistas” no Brasil.

Tá bom, já entendi. Particularmente, desprezo tudo que se identifica com racismo (um recalque), porque sou um liberal convicto. Mas jamais faria proselitismo político disso, ainda que fosse um político “progressista”. A lengalenga dessa gente do bem vem à superfície pelo fio do remorso de quem traiu a confiança alheia e não a consegue de volta. Desiludida e também recalcada, essa gente inverte a situação e passa a censurar aquele de quem traiu a confiança, último recurso de quem jamais a terá de volta.

E lá se vai uma vida inteira levada à insignificância, movida de compunção e autoenganos, a procura de filigranas defeituosas entre aqueles que nunca mais confiarão nas suas ideias e escolhas. E dá-lhe pedras e cutucões pra ver se o traído lhe volta a atenção e se convence de que o erro é dele. O recalque é esse mecanismo de defesa que encobre a consciência sobre os próprios erros, denunciando os problemas alheios.

Entretanto, algo não fecha a conta no cálculo do recalque, cujo autor da narrativa tenta encobrir em termos adjetivos aquilo que os números substantivos escancaram. Vejamos:

Trabalhadores do Brasil inteiro, além de países vizinhos, têm vindo pra Santa Catarina em busca de vida digna, que significa trabalho, educação e segurança. – já demonstrei, nesta coluna, o que a Operação Acolhida, do governo federal comprova: SC é o estado que mais recebe venezuelanos (e também haitianos), sem falar nos brasileiros, atrás de trabalho. A propósito, nossa taxa de desemprego é simplesmente a menor do Brasil, atualmente em 3,2% (IBGE).

As famílias que vem, precisam matricular seus filhos na escola. Pra sorte deles, Santa Catarina tem estrutura acima da média, tem capital humano e social (na média, bons professores e pais atentos à escola dos filhos). Boa educação não deveria ser privilégio de uma parte do Brasil, mas direito de todos. Agora, vejam só o resultado do último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB: a melhor média do País é justamente a de Santa Catarina (6,2), na frente de CE, SP, PR, DF, MG, RS, ES, GO, MS etc.

Já falamos de trabalho e educação. Juntamente com segurança pública, eles compõe a trinca principal de uma vida melhor. Historicamente, as taxas de homicídio no estado de Santa Catarina sempre foram as menores do País. O estado que mais se aproxima é São Paulo. O resto do Brasil é uma tragédia, vitimando inocentes e disseminando impunidade. Não considero SC livre disso, mas pergunte a qualquer imigrante o que é, comparativamente, viver em Santa Catarina, neste quesito.

A propósito, essa pergunta foi feita pela Genial-Quaest, em 2023, em pesquisa realizada em todos os estados brasileiros, sobre a segurança pública e a qualidade da Polícia militar: Adivinha quem ficou nas cabeças: o mesmo estado que tem o melhor Índice GINI – que mede a desigualdade – e a menor taxa de pobreza do Brasil (IBGE), à frente do DF, RS e SP: todos sabemos, os imigrantes sabem; os que torcem o nariz também sabem. E isso é produto da equação + trabalho + educação + segurança = desenvolvimento.

Bom. Se contudo, Santa Catarina parece um inferno pra essa gente do bem, sorte a dos que não vivem aqui, alguns sem ideia desses índices. Se têm, definham intelectualmente por suas convicções estéreis. Isso vale mais ainda pra quem vive aqui e achincalha. Dedução minha: gente assim é capaz de se devotar ao pior demagogo, de defender um ditador e ser fiel a um corrupto, mas é incapaz de ajudar um vizinho, porque se for em SC, é provável que lhe pareça um fascista.

Criticar é uma coisa e é algo necessário. Eu mesmo critiquei a selvageria de uns e outros nas eleições de 2022, aqui nesta coluna. Mas achincalhar é desrespeito e grosseria. Além do mais, nos lembra a sabedoria popular que falar maldosamente do lugar onde se vive e de onde se tira o sustento é “cuspir no prato em que se come”. É ingratidão, pra pegar leve com quem seria mais honesto consigo se fosse morar em outro lugar.

Walter Marcos Knaesel Birkner, sociólogo

1 Comentário

  1. Perdoem-me os catarinenses, sei que tem muita gente consciente, aberta e democrática, mas infelizmente o perfil da sociedade catarinense é conservador e de extrema direita, com tudo o que essa ideologia banida desde a 2a. Guerra Mundial acabou. A população do estado recebeu e acolheu diversos fugitivos nazistas, como Heichmann, e até hoje cultua o nazifascismo, nos últimos anos de forma escancarada. Como defender o Estado então, diante dessa triste realidade?

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