Opinião | Estas coisas de abril, da vida

Imagem: 'Todo imperialismo cairá!', obra de Wallace Pato/Divulgação

“Que hei de fazer se de repente a manhã voltar? Que hei de fazer? — Dormir, talvez chorar”. Abril chega para mim, todos os anos, como manhãs reviradas pelo destino. Meu sentimento é que a vida vai escrevendo o caminho com o talento de Manoel de Barros, trazendo mudanças que surpreendem alí, na frase seguinte.

Peço desculpas por esta reflexão não tratar de política,  economia e destas coisas que costumo registrar aqui, no Informe Blumenau.  Estou aprendendo a dividir também as aflições mentais, que intimamente jogamos em um canto escuro, negligenciando atenção.

Talvez, as poesias de outono conspirem, cifradamente, para fazer do quarto mês do ano aquele palco de transformações mais significativas. Se no primeiro trimestre enfrento as semanas como se estivesse ajoelhado no milho, parece que as coisas, de fato, conhecem  menor sofrimento para realização após o fim de março.

Foi em um abril que os caminhos se cruzaram para os meus pais, em uma jornada que culminou em um matrimônio de quase 40 anos até aqui, marcado pela cumplicidade e amor. Meu irmão também nasceu neste mês, e  encontrei minha alma gêmea, desvelando segredos e sonhos compartilhados. Assim, entre os versos do destino, noivei, casei e me formei na faculdade, todos esses marcos entrelaçados pela teia do tempo carregando o quarto avançar do calendário como coincidência.

Abril, o mês de Santo Expedito, figura sagrada que acompanhou minha infância e que ainda hoje guia meus passos com sua proteção. É também o abril de Ogum e de Logun Edé, deidades que sincretizam com a fé que carrego, trazendo consigo a força e a sabedoria para enfrentar os desafios.

Mas abril não se limita às celebrações espirituais; é também o palco das realizações terrenas. Nos últimos dez anos, testemunhou as inaugurações que marcaram o crescimento da Foster Pet Place, um empreendimento que se tornou mais do que um negócio, parte da minha identidade, um espaço de amor e cuidado para nossos amigos de patudos.

E agora, mais uma vez, abril encerra um ciclo em minha vida. Deixei para trás a velha maloca para ter o centro de Blumenau como um novo quintal. Entre os prédios que se erguem como sentinelas urbanas, estou reaprendendo a arte de viver o urbanismo, abandonando o conforto do carro para me embrenhar pelas ruas a pé, conectando-me assim mais intimamente com a alma da cidade.

Como nos ensinava Manoel de Barros, “e, aquele que não morou nunca em seus próprios abismos, nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas, não foi marcado. Não será exposto às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema”. Em cada mudança, em cada recomeço, mergulho mais fundo em meus abismos interiores, encontro-me com meus fantasmas e me deixo marcar pelas experiências que moldam quem sou.

Que o abril continue a tecer os fios de minha história, entrelaçando os dias com novas oportunidades, aprendizados e amores. Que eu possa seguir, sempre marcado pelas experiências vividas, abraçando os abismos e dançando com os fantasmas que moldam minha jornada.

Tarciso Souza, jornalista e empresário

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