Dizem os religiosos que o velho criador, trabalhador que só ele, botou o mundo em pé, com vida aos seus habitantes em poucos dias. Já o ardiloso, a antítese do bom senhor, é mais preguiçoso e oportunista, espera o vacilo das criaturas para descer sua porção de maldade. Crendo, ou não, que existiu/existe um sobre-humano que abriu a porta do paraíso, regendo para sempre os acasos de todos, a verdade é que este nosso tempo é marcado por um bicho peculiar, tipo um monstro cruel das quimeras modernas: o propagador de notícias falsas. Tome cuidado para não ser atraído para o seu rebanho.
Certamente, nem mesmo o mais malicioso que caminhou sobre a terra poderia supor que, em algum tempo, uma aberração assim ganharia pernas. Um híbrido nefasto, resultado de um cruzamento improvável entre a teimosia do jumento e a voracidade do abutre. O diabo celebra, creia no que digo. Dotado de uma capacidade única de voar baixo, busca incessantemente por carniça mental, alimentando-se do desespero alheio e do caos que semeia.
Embora o nascimento destas coisas remonte muitas décadas – talvez séculos -, foi a partir do momento que ganhou função para o projetos de poder que multiplicou a espécie, o alcance. Deslizando pelas correntes digitais, aceitou ser instrumento daqueles que juraram defender o bem comum. Em tempos de calamidade, como esta que enfrenta o Rio Grande do Sul, eles não se acanham em espalhar suas mentiras. No momento que tantos choram a dor sob o peso de uma tragédia sem precedentes, os “jumentos-abutres” atacam, não hesitam em lançar suas falsidades, alimentando-se da angústia daqueles que já perderam tudo.
Recordemos os dias sombrios em que Blumenau, o Vale do Itajaí, estavam atingidos pelas águas revoltas do Rio Itajaí-açú, em 2023. Ao tempo que a Oktoberfest distribuía alegrias pelas ruas, a mentira tornou-se uma inquilina indesejada nas redes. As notícias espalhadas estavam insinuando que as vítimas de Taió eram abandonadas em nome de uma festa. Rumores maliciosos, como se a Oktober pudesse deter as águas revoltas. Os meses avançaram… agora, enquanto o destino lança sua fúria sobre os gauchos, tristemente líderes blumenauenses não hesitam em seguir o mesmo caminho sinuoso, regurgitando falsidades em busca de ganhos políticos.
Sabe, é como se, ao invés de ajudar a apagar o fogo, esses seres preferissem atiçar as chamas, alimentando-se das cinzas e da desgraça alheia. Acho que você também já ouvir o ditado popular que diz que “cada um dá o que tem no coração”. É uma escolha. Não importa se são políticos sedentos por poder ou simples oportunistas em busca de cliques e curtidas nas redes sociais, sua fome por manipulação e desinformação é insaciável.
Esses “jumentos-abutres” não são apenas uma ameaça à verdade e à decência, mas também à própria sociedade que habitam. Pois onde prospera a mentira, definha a confiança mútua que sustenta o tecido social.
Na linha de frente de socorro aos atingidos pela tragédia, os verdadeiros heróis, o risco oculto é a notícia falsa. Apenas de profissionais do Governo Federal são quase 20 mil agentes atuando diretamente nos resgates, contando com mais de 6 mil meios de transporte (barcos, aviões e carros). A maior mobilização da história do Brasil.
É contra a atuação de funcionários públicos, voluntários e resgatados que toda inverdade atua perversamente. Todos os afetados sofrem, pois as fake news atrapalham, acrescentando pânico e outra dificuldades. Aqueles que enfrentam as enchentes e os escombros com coragem e solidariedade ficam deixados à própria sorte, esmagados sob o peso das mentiras que voam livres, como abutres famintos, sobre a desolação.
O monstro é esta coisa que mata o futuro. Se permitirmos que essa nova espécie se multiplique, corremos o risco de nos tornarmos presas fáceis de suas artimanhas, condenados à escuridão da ignorância e da desconfiança mútua. É fundamental que, desde já, possamos atuar para estabelecer uma nova legislação regulamentando os meios que contribuem para proliferação desta praga.
Nestes dias, como uma triste sina, quando aqueles que deveriam ser faróis de esperança se transformam em agentes do caos, a verdade é relegada ao papel de coadjuvante. “A primeira vítima da guerra é a verdade”. A frase, atribuída ao dramaturgo Ésquilo, da Grécia Antiga, parece ser aplicada para descrever a situação atual.
A luz da informação e da honestidade precisa ser o instrumento que ilumina a civilidade. Pois, só assim poderemos evitar que essa nova espécie, esse cruzamento aberrante de jumento e abutre, se alastre e encontre refúgio em nossos corações e mentes.
O combate, atualmente, é individual e, talvez, a mais rica ajuda que podemos oferecer a distância. Cada um precisa visitar sua consciência, vestir a armadura do questionamento, da lógica e da pesquisa em meios tradicionais para verificação. Espalhar notícias falsas, ainda que inconscientemente, é como levar sangue e morte para as suas mãos. Desperte a atenção. Ajude! Ajude muito! De todas as formas que o bolso, o coração, os braços e pensamentos puder.
Tarciso Souza, jornalista e empresário
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