Opinião | A greve na Educação – parte I: a ponta do iceberg

Foto: Fran Santos/Reprodução

Nota prévia: solidariedade ao povo gaúcho.  

A greve dos professores tem suas justificativas. As reivindicações são pontos de conflagração entre governo e sindicato, conquanto isso não se resuma a ser contra ou a favor de qual seja o lado. Precisamos é decidir se Santa Catarina deseja estar e continuar entre os lugares mais desenvolvidos da América. E, em querendo, é necessário entender alguns paradoxos e depois debater sobre que modelo educacional permitirá essa condição. Analisaremos isso numa série de artigos.

Debater as reivindicações é só a ponta do iceberg. A principal é o aumento salarial aos professores com mais titulação. Gostem ou não, reivindicam meritocracia, algo que muitos abominam na Educação, mas corporativamente expressam concordância. Além disso, pedem concurso público ante um quadro de 70% de professores admitidos em caráter temporário – ACT. É fácil concordar com os dois pontos, mas o problema de fundo não está em pauta e deveria se somar a essas reivindicações. 

Não partidarizo o tema, porque não tenho autoridade no assunto. Meu interesse é pensar o problema radical da Educação e, nesse sentido, a greve é só mais um subcapítulo de um livro inconcluso. O que nem governo, nem sindicato discutem é: que modelo educacional precisa ser esboçado, discutido e implantado pra garantir a trajetória do desenvolvimento territorial nas próximas décadas? – assunto sobre o qual me estenderei pra além deste artigo. 

O governo, como é de se esperar, resiste e posterga. Do ponto de vista do interesse público, alega falta de recursos. E, do ponto de vista da prioridade, se apoia nos números do IDEB, que em 2023, colocam Santa Catarina no topo do ranking nacional (índice de 6,2). Isso dá uma ideia parcial da realidade presente. Mas, como dizia um velho cientista alemão:  por que simplificar, se podemos complicar? Então, vamos lá.

O IDEB é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (integra Ensino Fundamental, do 1º ao 9º, e Médio). Se separamos os resultados, observaremos que, no Fundamental, Santa Catarina é notavelmente o primeiro colocado, à frente de CE e SP etc. (SED/SC). Nas Séries Iniciais (1ª a 4ª), é disparadamente o primeiro. Já, se considerarmos somente o IDEB no Ensino médio, Santa Catarina cai para o 9º lugar (INEP) –  é onde se concentram os ACTs. 

No Ensino Médio, SC chegou a estar em 1º lugar, em 2011. Depois, foi caindo (2015: 9º lugar) e em 2021 chegou em 8º lugar. Como a média é alta nos anos iniciais, ajuda o estado a ficar em primeiro lugar no Ensino Fundamental. É útil lembrar que Ensino fundamental é responsabilidade municipal e os anos iniciais carregam a influência do ambiente familiar. Já o Ensino médio é responsabilidade dos governos estaduais e é onde a porca torce o rabo. 

É difícil encontrar uma fonte de informação sobre a média percentual de ACTs nas escolas municipais do estado. Mas, pra se ter uma ideia mínima, o TCE/SC monitorava alguns municípios no estado e, em 2018, era de 5% em Joinville e 10% em Blumenau, no mesmo ano (ambas entre os melhores índices municipais do IDEB no Brasil, de cidades médias e grandes – 6,7 e 6,6, respectivamente). 

Segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Educação de SC, o percentual de ACTs no estado ultrapassa os 70% 2m 2024. Era de 60% em 2019 e de 50% há uma década atrás, quando já se dizia que era muito. E, há exatamente uma década atrás, o governo do estado lançava o Plano Estadual de Educação, se comprometendo a chegar em 2025 com 80% de professores efetivos, praticamente o contrário da realidade que vivemos atualmente. 

Pra complicar mais, uma notícia do Jornal ND+, de 28 de abril último, mostra que “Santa Catarina é o 5º estado brasileiro com mais professores temporários…”. À frente estão Minas Gerais (80%), Tocantins (79%), Acre (75%) e Espírito Santo (73%). A pesquisa foi realizada pelo movimento Todos pela Educação e os dados são do INEP. O motivo explícito é a falta de concurso público. E, estamos raciocinando a partir da premissa de que a condição de efetivo é melhor, não só aos docentes, mas aos alunos.

Curiosamente, entretanto, se considerarmos os melhores índices do IDEB no Brasil, observaremos que os cinco melhores estados (SC, CE, SP, PR e DF) têm percentuais de professores temporários acima de 50%, chegando a quase 60% no Ceará, estado com o melhor modelo educacional do País. Na outra ponta, estão os estados com os maiores percentuais de professores concursados (respectivamente, RJ, RN, BA, PA e AM). Entre estes, o melhor colocado no IDEB é o Rio de Janeiro, que ocupa atualmente a 10ª posição no ranking.   

Isso não anula a importância do concurso público, mas permite aos governantes relativizar a reivindicação, se perguntando: pra que? Mesmo assim, Todavia, a distinção meritocrática reivindicada pelo Sindicato é tão razoável quanto o concurso público. Mas, em nome das contas públicas, a mesma relativização governamental acontece. Se essa equação fosse fácil, os melhores salários estariam nos estados mais desenvolvidos e isso não acontece. 

Espera-se que os governos sejam sempre sensíveis a reivindicações justas, mesmo quando o cidadão-eleitor não o é em relação à Educação. Todavia, honestamente: pra além dessas questões pontuais, governo e sindicato não demonstram disposição, nem discernimento sobre a prioridade que as crianças e adolescentes de Santa Catarina merecem e podem ter: um modelo educacional para o século XXI – assunto da segunda parte deste artigo, a ser publicado na semana seguinte.

Walter Marcos Knaesel Birkner, sociólogo

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