Opinião | O “CEO de eu mesmo”: escravidão moderna oficializada em lei

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Com ares de progresso, como se um benefício social surgisse no horizonte,  a Câmara dos Deputados pariu uma nova criatura para os trabalhadores brasileiros. E, bastam poucas  contas para entender a desonestidade daquilo que os parlamentares deram à luz nesta semana. Diferente do que defendem, não teremos a uma nova categoria de empreendimento, mas, a uma forma moderna de entregar glamour ao precarizar o suor do lavoro de tantos.

Em meio as discussões da regulamentação da reforma tributária,  as pílulas de maldade surgiram como o nascimento das nanos, quase invisíveis empresas, um passo além do que eu, com ironia, batizei de “cisco empreendedor” – o Micro Empreendedor Individual (MEI). É uma espécie de brincadeira de mau gosto, onde o trabalhador é transformado em empresário de si mesmo, mas sem os benefícios que um verdadeiro empreendedor deveria ter.

Imagine um indivíduo com um CNPJ na mão e uma renda mensal que mal chega a R$ 3,3 mil, ou seja, três salários mínimos. Essa é a renda bruta, diga-se de passagem, sem descontar os custos operacionais e, claro, sem qualquer garantia de previdência. A matemática é simples e cruel: ganhando R$ 3,3 mil, o “pobre empresário” fatura pouco mais de R$ 40,3 mil ao ano.

Os Deputados querem piorar o que já não é bom. Pense comigo: o governo Lula acena com a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais. Se essa promessa se concretizar, teremos uma situação peculiar: o “pobre empresário” com sua renda de R$ 3,3 mil estará isento nesta regra nova do parlamento, mas em uma posição econômica muito inferior à de um trabalhador registrado, que ainda goza de certos direitos trabalhistas e previdenciários.

Por favor, volte os pés para o chão firme. Não faz qualquer sentido glamorizar um CNPJ à custa da vulnerabilização do trabalhador. Como bem disse o ministro Flávio Dino, “ter uma bicicleta, colocar um isopor nas costas e sair pedalando não é empreendedorismo”.  Nesta mesma intenção escrevi semana passada ao Informe Blumenau, quando dizia que o cidadão que está no semáforo vendendo bala, por exemplo, não está empreendedo e, sim, buscando um meio de sobreviver, matar a fome.

As vezes o sentimento é que os deputados do Brasil querem contratar o caos ali, para as próximas gerações. Esse cenário, da legalização da escravidão moderna, adiciona uma pressão absurda sobre o futuro do país. É ingênuo não prever o problema social que será gerado quando essas gerações de “cisco empresários” envelhecerem sem qualquer amparo previdenciário. O corpo fraqueja, mas as necessidades permanecem ou, pior, são ampliadas. Sem uma rede de segurança social, essas pessoas estarão à mercê da caridade ou da sorte.

E o impacto não é só individual. Para as contas públicas, essa precarização do trabalho é uma bomba-relógio. Com menos contribuições previdenciárias vindas da base da sociedade, o sistema de seguridade social, já combalido, será ainda mais pressionado.

O que estamos fazendo é criar uma classe de trabalhadores disfarçados de empresários, sem direitos, sem segurança e com uma perspectiva de futuro incerta. É preciso repensar essa política de incentivo ao “empreendedorismo” que, na prática, é apenas uma forma de jogar os trabalhadores na informalidade, retirando direitos e garantias conquistados ao longo de décadas de luta.

No final, o que se ganha com isso? Apenas um número inflado de “empresários” nas estatísticas, enquanto a realidade de quem vive na pele essa precarização é de constante insegurança e vulnerabilidade. O verdadeiro empreendedorismo é mais do que ter um CNPJ; é ter condições reais de crescimento, inovação e, acima de tudo, dignidade.

Tarciso Souza, jornalista e empresário

2 Comentário

  1. O “escriba” esquece que a maioria do empregado Brasileiro não ganha mais de três salários mínimos.
    Usa o INSS e, se aposenta com um salário mínimo.
    Pelo menos o “Empreendedor MEI”, que tem a coragem de mudar, tem perspectivas para o seu futuro.
    Entendeu…..

  2. Com o governo atual , ser empreendedor neste país é para poucos , tipo Odebrecht,JBS,etc…
    A maioria do povo quer trabalhar para ter dignidade , quem não gosta de MEI é sindicato .

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