“Há décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem”. Parece que Lenin estava descrevendo estes dias de agosto de 2024 quando registrou esta frase. Uma brisa de mudança chegou, com a mesma leveza de um soco no estômago, dobrando os joelhos para as dores de um tempo ímpar.
Marcam o momento a morte de duas figuras icônicas: Delfim Neto, o economista da ditadura, e Silvio Santos, o dono do Baú da Felicidade, o maior comunicador da história brasileira. No entanto, enquanto nos despedimos dessas personalidades, algo também notável ocorre nos bastidores do poder: o fim anunciado das emendas impositivas.
Certamente, este é capítulo ímpar da política brasileira. A decisão do Ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, de suspender o pagamento das emendas parlamentares até que o Congresso encontre uma forma mais justa de distribuir o dinheiro público, é um desses momentos que altera o curso de uma história. Esta farra das emendas, que há muito tempo sequestra o orçamento público, parece que agora está com os dias contados.
O modelo de emendas parlamentares tornou-se um monstro de muitas cabeças. Uma coisa estranha até para a nossa confusa balança democrática. Deputados e senadores, eleitos para legislar, viraram pequenos executivos, controlando verbas, atropelando o poder do governante e, ao final de cada ano, celebrando conquistas que muitas vezes não passam de promessas vazias. É impossível construir unidade – partidária, administrativa e social – com a fragmentação dos parcos investimentos. Não há cobrança por resultado, apenas a distribuição indiscriminada de recursos, como se fosse um sorteio do Tele-Sena.
No Brasil, o presidencialismo é uma escolha feita e reafirmada. E, apesar de nossos problemas, o sistema é claro: o Poder Executivo executa, o Legislativo legisla e o Judiciário julga. Mas as emendas parlamentares, especialmente as impositivas, inverteram essa lógica de uma forma perversa. Deputados e senadores, na canetada, priorizam e distribuem os recursos, mas sem a responsabilidade do ônus administrativo, ou qualquer critério que não seja o da conveniência política.
Silvio Santos, em uma de suas icônicas frases, perguntava para plateia: “quem quer dinheiro?”. Quem no Brasil não quer, não é mesmo? Mas a verdade é que, quando o apresentador jogava dinheiro para o auditório, ele sabia exatamente de onde vinha e para onde ia. No Congresso, o dinheiro voa nas mãos dos parlamentares, mas a quem ele serve? O destino dos recursos é obscuro, e a responsabilidade por resultados, nula. É um sequestro do orçamento público, uma farsa, onde o dinheiro do povo vira moeda de troca em uma política clientelista, servindo interesses muito específicos e deixando à míngua quem deveria ser o verdadeiro beneficiário: o cidadão.
Enquanto isso, a figura do presidente se torna meramente decorativa, assistindo à execução orçamentária que deveria ser sua responsabilidade escorrer pelas mãos dos parlamentares. É um atentado à essência do presidencialismo. O poder de execução, desvirtuado pelas emendas, transforma-se em um sistema onde os interesses locais superam o bem comum. E onde está a cobrança por resultados? Perdida em algum lugar entre o discurso e a prática, sem a menor intenção de ser encontrada.
Delfim Neto, o economista da ditadura, escatologicamente comparou as empregadas domésticas aos bichos em extinção. Foi desta frase que apropriei o título deste texto. “Quem teve este animal, teve. Quem não teve, nunca mais vai ter”. As emendas impositivas precisam acabar. Que a matéria apreciada no STF entregue este fim. O país não pode mais suportar essa aberração institucional.
O Congresso precisa, enfim, encontrar uma maneira digna de exercer sua função legislativa sem usurpar o papel do Executivo. Um respiro de sanidade em um sistema que mais parece uma roleta viciada, onde o número sorteado é sempre o mesmo: aquele que favorece os interesses particulares dos parlamentares.
É tempo de vencer o cinismo político, e fazer um chamado à transparência e à verdadeira responsabilidade com o erário. O Brasil precisa, urgentemente, sair dessa lógica perversa de que emenda parlamentar é poder. No final das contas, o que se espera é que, assim como no palco do Silvio Santos, a plateia — ou seja, o povo brasileiro — comece a aplaudir algo novo e verdadeiro.
Tarciso Souza, jornalista e empresário
Vamos aplaudir sim, quando a quadrilha sair do poder .
As emendas impositivas são uma aberração.
O PT de Lula foi quem as criou.
Agora, vindo de Flávio Dino,
isso
não cheira bem, já que era um dos que mais se beneficiou quando político.
Desinformação ou má intenção? Na verdade,não foi o atual governo que criou as emendas impositivas! Foi no governo anterior com o famoso “orçamento secreto” assunto que foi mais comentado que jogo de final de campeonato!
Está enganado.
O Governo Lula sempre praticou essa aberração.