Opinião | A Nova Política virou um paletó surrado com cheiro de naftalina

Imagem gerada com IA

A eleição municipal de outubro de 2016 parece que aconteceu há um século. Naquele ano o pleito ocorria no rastro dos movimentos “não vai ter Copa” e “não é por 20 centavos” que ganharam força nos grandes centros do país. O primeiro movimento lutava contra as desapropriações promovidas pela Copa do Mundo de Futebol realizada no Brasil em 2014. O “não é por 20 centavos” era uma revolta contra o aumento da tarifa do transporte coletivo nas capitais e grandes cidades. Originalmente esse movimento era convocado pelo Movimento Passe Livre (MPL), uma organização de orientação anarquista que pregava o transporte coletivo como um direito social.

Essas duas revoltas populares logo foram engolidas pelos movimentos a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. O que antes eram movimentos de esquerda passaram a se identificar como antipartidários, antipolíticos e contra tudo o que representava a política institucional. Aquele cenário confuso trouxe tanto pela esquerda quanto pela direita lideranças e movimentos políticos que se apresentavam como representantes da “nova política”. Aliás, a expressão “nova política” era o lema da vez. O movimento do MPL foi gradualmente ofuscado pelo Movimento Brasil Livre (MBL), um grupo que se declarava antipartidário, liberal e antissistêmico. O Brasil trocou passe livre por um recibo de liberalismo fajuto de camiseta polo apertada.

Blumenau não ficou fora desse cenário. A abertura das urnas mostrou uma reviravolta histórica. Se no cenário nacional o Partido dos Trabalhadores iniciava seu calvário que terminaria com a cassação de Dilma Rousseff e a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva na chamada “República de Curitiba”, em Blumenau, o PSD vivia os martírios da Operação Tapete Negro. Jean Kuhlmann (PSD), candidato a prefeito, foi derrotado no segundo turno por Napoleão Bernardes, então uma figura de destaque no PSDB.

Com votações respeitáveis, Bruno Cunha, então no PSB, Professor Gilson, na época no PSD, e Ricardo Alba, no PP, formavam uma tríade da “nova política”. Também havia um vereador eleito para o primeiro mandato, Alexandre Matias, do PSDB, mas este não era incluído no grupo por já ser filho de político. Os três primeiros foram saudados pela crônica política local e eram entrevistados com discursos alinhados à cartilha da nova política: contra a reeleição, contra os carreiristas da política e contra o uso dos partidos políticos para a manutenção do poder.

Elegeu-se também, em 2016, como vereador Jovino Cardoso Neto, então no PSD, que ressurgia como uma fênix na Rua das Palmeiras depois de ser dispensado pelos tucanos da vaga de vice-prefeito. Jovino está na política de Blumenau desde o ano 2000, quando ser direita raiz era ser do PFL.

Odair Tramontin, então promotor público, em comentário político na Rádio Nereu Ramos, comemorava o resultado do pleito: “Isso evidencia que a população é esclarecida, não se engana, não aceita modos e métodos antigos de fazer eleição.” Eram dias de novidade na política.

A ficção da nova política não pararia em 2016. Ela foi mobilizada novamente em 2018. Em nome dela, um antigo deputado que por vinte anos integrava o baixo clero e o centrão do Congresso Nacional foi catapultado à presidência da república. O capitão, como era chamado por seus eleitores, também seguia a cartilha do “antipartido, do antipolíticos e do combate a tudo que representava o sistema.” Eleito pelas urnas eletrônicas, levou consigo para o Planalto Central o juiz de Curitiba que prendeu Luiz Inácio Lula da Silva, que seria seu ministro da Justiça, uma espécie de xerife-geral da República.

O antipolítico e supostamente apartidário MBL e suas variações também rapidamente abandonaram a neutralidade e cerraram fileira ao lado do capitão. No impulso de Jair Bolsonaro, um dos expoentes da “novidade”, Ricardo Alba, agora no PSL, foi alçado para a Assembleia Legislativa. Chegou à Ilha de Santa Catarina como o deputado estadual mais votado do estado.

Logo após o início do governo do “Mito”, a cartilha da nova política foi esquecida. O capitão não negou sua natureza e entregou o governo e o orçamento para serem operados pelo centrão. Eram dias de baixo clero na Esplanada. O Fundo Nacional da Educação era administrado por pastores que atuavam em troca de barras de ouro. Tudo com as bênçãos do Jair. Por se recusar a abandonar o governador acusado de corrupção, Ricardo Alba teve seu sonho de chegar no parlamento federal frustrado pelo eleitor. Perdera a aura de novidade. Um pouco antes, o juiz de Curitiba também foi expulso do governo do Mito em nome da proteção de um dos filhos do capitão. Eram dias em que a “nova política” estava em baixa.

Na ressaca da eleição municipal de 2024, se olharmos para os resultados das urnas eletrônicas, veremos que os personagens de 2016 continuam em cena. Para alguns, a roupagem da nova política parece pequena ou desgastada. Outros, ela nunca serviu. Porque também nunca existiu. Ricardo Alba tentou recomeçar a carreira como candidato a prefeito pelo Podemos. Com o mesmo discurso estridente e o velho mantra de ser “antipartido, antipolíticos e contra tudo o que está aí”, declarou-se bolsonarista raiz. Acrescentou apenas a proposta de transporte coletivo gratuito, uma ideia que originalmente no Brasil foi propagada pela esquerda e pelo MPL. O discurso não funcionou. Fez 3.383 votos, pouco mais do que os 3.277 que fez nos gloriosos dias de 2016.

O promotor, agora aposentado, filiou-se a um partido que também utiliza a palavra “Novo”. Surgido em 2011, o partido originalmente dizia-se avesso à política tradicional, às alianças e ao uso do fundo partidário. Era o “Novo” puro-sangue. Apesar de jovem, o partido aliou-se ao governo do Mito. Apesar de ser de oposição durante os 4 anos de governo Bolsonaro, o partido do Promotor de Blumenau foi mais fiel ao mito que seu próprio partido, tornando-se uma linha auxiliar do bolsonarismo e, sedento por poder, abraçou o fundo partidário, as alianças políticas e tudo o que antes criticava. Em Blumenau, o promotor aposentado concorreu à cadeira principal da Praça Victor Konder aliado ao PSD, aquele que celebrou a derrota em 2016.

Mas é claro, nesse vai e vem, o PSD já não é mais o mesmo de 2016, pelo menos em Blumenau. Nacionalmente, aliás, o partido nunca vestiu a roupa de novidade. Ama uma “aliança política e tudo o que há por aí.” Está na base do governo Lula e também na base do bolsonarista Tarcísio em São Paulo. Adora uma base. Em Blumenau, o PSD apoiou o ex-promotor, mas não exibiu Napoleão Bernardes, aquele ex-tucano de alta plumagem que agora é PSD, mas sem o pedigree de novidade.

O PSD de 2016 em Blumenau migrou para o PL e elegeu o maior número de vereadores no município, três ao todo. Entre eles, Jovino Cardoso Neto, que nesta eleição ressurgiu como bolsonarista. Parecer bolsonarista foi o maior desafio do último pleito. Houve até um debate em que o promotor e o Candidato do PL, Delegado Egídio, discutiam quem era mais puro-sangue. Ganhou o PL, não o Mito, mas Valdemar da Costa Neto, que aliás em 2016 estava preso.

Como vice do PL, elegeu-se a Maria, que é do PSDB, que também não é novidade, pois era vice do Mario, que em 2016 também era vice do Napoleão. Que elegeu apenas um vereador, aquele que em 2016 era novato na câmara, mas era herdeiro de político. Nesse troca-troca de partidos, talvez o eleitor me pergunte qual foi o destino das outras duas novidades de 2016, Bruno Cunha e Professor Gilson. Eles se reelegeram vereadores pela terceira vez. A eleição deste ano foi a eleição do fisiologismo das máquinas partidárias. Aqui e no Brasil inteiro. A Nova política virou uma roupa démodée. A moda agora é ser do centrão, porém com mindset de bolsonarista.

Dr. Josué de Souza, professor e cientista social

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