Este ano, o tema da redação do ENEM 2024, “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, trouxe à tona um assunto essencial e, ao mesmo tempo, complexo. A escolha foi corajosa e oportuna, pois nos obriga a refletir sobre como estamos cumprindo uma parte fundamental da nossa história e identidade. No entanto, se de um lado esse tema mostra-se necessário, por outro, ele expõe lacunas importantes no que diz respeito à aplicação da lei 10.639/03 e ao combate ao racismo nas escolas, especialmente em estados como Santa Catarina, onde persistem sérios desafios.
Desde 2003, a lei 10.639 exige a inclusão da História e Cultura Afro-Brasileira nos currículos escolares. Ela representa uma tentativa importante de garantir que estudantes em todo o Brasil tenham contato com a riqueza e a diversidade da herança africana e afro-brasileira. Mas será que a educação no Brasil está cumprindo esse papel? Em muitos casos, a resposta ainda é negativa. Em estados como Santa Catarina, essa implementação é quase invisível. Muitos alunos ainda passam pela escola sem ter contato com os conteúdos dessa herança que forma uma base importante da nossa cultura e sociedade.
Para além do descumprimento da lei, o racismo é outro problema que atinge em cheio o ambiente escolar. Quantos jovens, alunos e professores, ainda convivem com situações de preconceito e discriminação? E como podemos esperar que uma redação do ENEM trate desses desafios se a própria escola, muitas vezes, é palco de exclusão e silêncio sobre o racismo? O espaço escolar deveria ser o primeiro a reforçar o respeito e a valorização da diversidade. No entanto, na prática, a realidade muitas vezes se distancia desse ideal.
É importante reconhecer que temas como o escolhido para o ENEM 2024 são uma oportunidade para aprofundar a discussão. No entanto, é essencial que essa reflexão extrapole o momento da prova e se traduza em ações concretas nas escolas. Que professores sejam capacitados e que o conteúdo seja realmente ensinado, discutido e valorizado, com a formação de cidadãos conscientes e antirracistas.
Fica, então, o alerta para os governos e gestores educacionais: não basta escolher temas importantes para as provas. É preciso garantir que eles façam parte do cotidiano escolar. Isso é respeitar, de fato, a nossa história e construir um futuro onde a valorização da herança africana seja uma realidade, não apenas uma redação do ENEM.
Marco Antônio André (Marcão), advogado e ativista de Direitos Humanos
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