“Os tolos dizem que aprendem pela experiência. Eu prefiro aproveitar a experiência dos outros”, deixou para eternidade Epicteto, o estóico, como um conselho. Mas nós, moradores do Vale do Itajaí, parecemos alunos indisciplinados, prontos a repetir, feito aquela lição de casa negligenciada, as mesmas desgastadas provas de sempre, sem aprender absolutamente nada. Acreditamos em falsas promessas, aceitamos tantos boicotes e, pior, reiteramos a confiança nos algozes do próprio drama.
Neste domingo, dia 3 de novembro, foi dia de Enem. Milhões de estudantes de todo Brasil participaram com suas unhas roídas, os pensamentos confusos e, no coração, a esperança de construir um futuro melhor usando a educação como ferramenta transformadora.
Um dos pontos de aflições e expectativa fica sempre sobre qual será o tema escolhido para redação. E, se tivesse que escrever a respeito de um problema local, certamente os inscritos usariam toda energia em analises de um dos maiores entraves de Santa Catarina: a infraestrutura rodoviária.
Os mais criativos, quem sabe, poderiam narrar a épica jornada como uma tragédia grega com toques de comédia. Afinal, nós, moradores, parecemos presos em um vestibular infindável onde a única lição a aprender é a de esperar… o drama de não sair do lugar.
Desde muito tempo faltam novos eixos estruturantes para a infraestrutura catarinense. O conservadorismo dos personagens políticos parece desejar manter, também, as estradas de barro, os congestionamentos urbanos e em rodovias. A dependência é total das BR’s. Sofremos sem contornos regionais, que unam e ajudem a retirar do centro das cidades o fluxo de passagem de veículos.
Quando o assunto é a infraestrutura do Vale do Itajaí, por exemplo, neste Enem os concorrentes escolheriam, com facilidade, o nome do antagonista da história recente: o governador Jorginho Mello, bolsonarista de plantão e estrategista do marasmo. Desde os tempos de Dilma presidente, ele fincou bandeira em cada nó não desatado da BR-470, uma estrada que parece preferir como está: empacada. Sua especialidade? Fazer e desfazer alianças, sugerir nomeações ao DNIT, embargar projetos com um toque de mestre, mas sempre deixando a impressão de que um avanço está por vir… só que nunca chega.
E por que chegaria? A cada desvio burocrático e cada promessa vazia, Jorginho segue ampliando seu capital político.
Que grande história renderia… a saga começa lá atrás, quando, como Deputado Federal, Jorginho cutucava a BR-470 sempre que lhe convinha. O DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) virou quase uma extensão do seu gabinete. Ora, o homem indicou diretores até em governos petistas! E, em cada passo, um novo entrave. Em 2021 e 2022, Bolsonaro, Tarcísio de Freitas e Jorginho, com a tesoura na mão, cortaram o orçamento e a promessa de duplicação da BR-470.
Foi graças aos esforços do então governador Carlos Moisés, que aportou quase meio bilhão de reais, que evitou a paralisação dos serviços. O ex-governador também contratou um projeto que tinha por objetivo a construção de uma nova rodovia paralela a BR-470.
Mas, com Jorginho no comando do estado, logo que começou seu mandato, cancelou este projeto de uma rodovia que cruzaria o Vale do Itajaí, ligando Itajaí à Rio do Sul. O bolsonarista rejeitou ainda a proposta do governo federal de reembolso dos R$ 465 milhões investidos por Santa Catarina na BR-470.
Se isso não fosse o bastante, ainda temos a novelinha do gás natural. A obra de duplicação da BR-470 empacou agora porque a SCGás (uma estatal que pertence ao governo comandado por Jorginho) parece não ter pressa em remover as tubulações que estão bem ali, no caminho das máquinas.
Mas, se do lado do Vale do Itajaí as coisas parecem mais atrasadas que estudante que chega no instante que o portão do local de prova está fechando, no litoral a situação aponta para um outro caminho. O Estado anuncia a contratação do projeto da “Via Mar”, um corredor paralelo à BR-101, focado em melhorar o fluxo no litoral catarinense.
É evidente que o litoral merece, sim, atenção e investimentos. Afinal, que região do Estado não implora de joelhos por modernização do mapa rodoviário? Preciso reforçar, porém, que o Vale, pelo jeito, só é lembrando quando as águas transbordam o Rio Itajaí-açú e leva embora a esperança. Este ponto de Santa Catarina fica, mais uma vez, na sala de espera, observando as obras deslancharem em outras paisagens.
Resta saber se, assim como o governador, outros políticos também recebem benefícios políticos e eleitorais nesta situação. Será que personagens como o secretário de Infraestrutura, Deputados Jerry Comper (MDB), que possuí sua base de votos no Alto Vale, encontrará facilidades para explicar o não andamento de obras durante sua gestão?
A verdade é que, entre promessas não cumpridas e manobras mal calculadas, Jorginho virou quase um mestre em politizar buracos. De cada atraso, ele arranca uns votos. De cada promessa quebrada, uma nova desculpa. Enquanto isso, o catarinense enfrenta congestionamentos, acidentes e o cansaço de quem espera há décadas por uma infraestrutura digna. No final, fica o aprendizado amargo: em Santa Catarina, até os buracos têm filiação partidária. Nesta prova, o gabarito revela que não é bom acreditar nas promessas de quem prefere o atraso ao avanço.
Tarciso Souza, jornalista e empresário
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