Por Magali Moser
Mestra em Jornalismo pelo Posjor/UFSC e professora da disciplina de Mídia Regional no curso de Jornalismo da FURB
Comandado pelo milionário do ramo de medicamentos genéricos, Carlos Sanchez, o grupo NC assumiu em março do ano passado as operações em Santa Catarina da RBS, a maior afiliada da Rede Globo, com a promessa de manutenção das atividades. A expectativa dos funcionários era de continuidade da programação, cobertura e abrangência adotadas até então. Mas, um ano depois, as mudanças começam a aparecer. O presidente da RBS/SC, Mário Neves, assegurou publicamente o desejo de o público dos veículos ser o responsável pela escolha do novo nome da empresa, que “leva jornalismo e entretenimento” aos catarinenses, na linguagem utilizada por ele. Para além da definição da nova sigla (DNC, LIG ou NSC), cuja escolha foi lançada em campanha estadual e se dará por meio de votação virtual até o dia 15 deste mês, a principal mudança parece ser quanto à abordagem do conteúdo e linha editorial.
Uma das alterações – anunciada com a costumeira justificativa de “inovação”, também defendida como “unificação do estado”, foi motivo de festa pelo grupo (incluiu jantar para convidados em restaurante de Blumenau). Atinge diretamente o Jornal do Almoço, no ar há 37 anos e considerado um dos principais programas televisivos da emissora. Desde março, o JA deixou de ter como foco o conteúdo local, assumindo um editorial voltado à cobertura estadual. O programa voltou a ser apresentado e conduzido em Florianópolis, pelos âncoras estaduais Mário Motta e Laine Valgas, com inserções de blocos de notícias das praças, como antes. Em 2005, quando a RBS TV Blumenau experimentou a concorrência comercial com a então Rede SC/SBT (hoje RIC TV Record) em Blumenau, o Jornal do Almoço apresentava uma programação local que não chegava a 20 minutos, dos 40 minutos de programa. Mas a disputa pela audiência levou a emissora a mudar de conduta e dar preferência à programação local. Agora, a lógica se inverte outra vez.
Na contramão das pesquisas que fortalecem a importância da proximidade como critério de noticiabilidade, a mudança parece priorizar apenas questões de ordem econômica/financeira. Foi apresentada como “uma oportunidade para unir o Estado e trazer coisas diferentes”, para usar as palavras do coordenador de Jornalismo da RBS TV Blumenau, Jefferson Douglas, à imprensa. Mas foi recebida com surpresa. Nem mesmo a forte campanha publicitária da emissora com nomes do jornalismo estadual conseguiu frear as críticas. As resistências e reações negativas partiram de anunciantes, telespectadores e dos próprios funcionários, que não conseguiram convencer a direção da empresa da importância do conteúdo local. Com a medida, o grupo enxugou ainda mais a já limitada programação local: O que já era escasso ficou ainda mais restrito. O enxugamento se refletiu em cortes em Blumenau, Joinville, Florianópolis e Chapecó, onde houve demissões de repórteres, produtores e cinegrafistas. Certamente, também haverá impacto na audiência.
Dos cerca de 40 minutos de duração do atual Jornal do Almoço, apenas 16 minutos são preenchidos com ênfase local, enquanto o Jornal do Meio Dia, da RIC Record, em Blumenau, apresenta uma hora e quinze de programação regional e local. Não se trata apenas de uma questão de espaço, poderíamos discutir ainda a qualidade desta programação. Mas, com as mudanças, o JA passou a ter apenas dois blocos iniciais do programa, veiculado das 12h às 12h40min, apresentado em Blumenau por Joelson dos Santos e Vanessa Nora.
História
A RBS preferiu vender seu domínio em Santa Catarina ano passado, após 37 anos de atuação. O início das operações do grupo sul-rio-grandense no Estado se deu em 1979, com uma concessão de televisão à RBS TV em Florianópolis, 22 anos depois da aquisição da primeira emissora de rádio do grupo no Rio Grande do Sul, a Rádio Gaúcha. Novo proprietário das operações da RBS em SC, Sanchez é o presidente e o maior acionista da EMS, uma multinacional farmacêutica do ramo de genéricos. A EMS foi fundada pelo pai de Carlos, Emiliano, em 1950, como uma pequena farmácia em Santo André (SP). Carlos herdou a EMS aos 26 anos, após a morte do pai. Ele é citado pela Revista Forbes como o 26º homem mais rico do Brasil, com uma fortuna avaliada em R$ 6,89 bilhões, o que reforça o questionamento sobre as relações de proximidade entre mídia e poder no Brasil.
Independentemente dos modos RBS ou NC de fazer jornalismo, o que está em questão é a diminuição do espaço para as pautas, interesses, anseios e demandas locais. Não há como não lamentar a redução de espaço para o jornalismo regional, num mercado já de costas para as necessárias histórias locais. Naturalmente, o modo RBS de fazer jornalismo regional, não só na TV, mas também nos seus impressos e emissoras de rádio, também era questionável. O Jornal de Santa Catarina, lançado em 1971, buscava ser regional, após ser adquirido pelo grupo sul-rio-grandense em 1992, mas a ênfase sempre foi para Blumenau, com raras exceções na cobertura, motivadas por alguma eventualidade, geralmente ligada a catástrofes ou tragédias, nos municípios vizinhos. Trabalhei por quatro anos como repórter no Santa (de 2006 a 2010). Nos dois últimos anos, quando Edgar Gonçalves ainda estava no comando da redação, antes de assumir como editor-chefe do DC, fui deslocada especialmente para atender à cobertura do Médio e Alto Vale do Itajaí. Era uma estratégia a fim de diminuir as críticas por falta de cobertura dos municípios vizinhos.
A função comunitária é apontada como um dos principais diferenciais do jornalismo regional. É no veículo de comunicação local onde se tem mais possibilidades de garantir visibilidade de uma região ou comunidade específicas. A mídia regional promete assegurar a representação dessas pequenas comunidades, suas características e demandas, que dificilmente encontrarão espaço nos meios de comunicação de alcance nacional. Basta notar quando Blumenau, já que tomamos a cidade como exemplo aqui, aparece como notícia nacional, além das clicherizadas pautas do mês de outubro, com a Oktoberfest e seus foliões fantasiados de fritz e fridas ou com as tragédias e enchentes ocasionais (esse tema, inclusive, foi objeto de minha pesquisa no mestrado). Na mídia regional, expressa-se com mais força a identidade local. Por isso, o jornalismo regional é capaz de gerar no público a sensação de pertencimento.
Frequentemente é atribuída à cidade de Blumenau o rótulo de “precursora” na mídia catarinense, com as primeiras emissoras de rádio (PRC-4 ou Rádio Clube) e televisão com abrangência para toda Santa Catarina (TV Coligadas), além do primeiro jornal em sistema off-set do Estado (Santa). No entanto, as decisões dos grupos midiáticos parecem ignorar a importância histórica da cidade no setor. Não se pretende aqui defender apenas a inclusão do município na pauta jornalística. A opção de priorizar a abordagem estadual, concentrando-se em Florianópolis, deixa descoberta a maioria dos municípios catarinenses. Diminuir a força da informação local tende a se revelar como uma estratégia que soa como descaso: medida centralizadora, incapaz de perceber a audiência local como produtora de notícia e de necessidade de informação.
Proximidade
Para alguns estudiosos da mídia regional, a proximidade da informação permite às pessoas acompanharem os acontecimentos de modo mais direto, à medida que podem vivenciar os fatos ou testemunharem-nos. Esta possibilidade permite o confronto entre os fatos e suas versões midiáticas. Se, por um lado, o jornalismo regional se constitui uma oportunidade de promover a visibilidade de comunidades, grupos e ações não atingidos pela mídia nacional, há também limitações nesta esfera. A principal delas é o vínculo e a proximidade com os poderes constituídos, forças e políticos locais. Talvez justamente este fator explique a decisão do novo comando dos veículos da RBS no Estado em priorizar o conteúdo estadual em detrimento do regional e local. Com receio de envolver/abordar possíveis interesses e forças regionais, opta-se por um noticiário mais homogêneo, superficial e “à distância”, sem investir e tocar nas especificidades locais.
Num país marcado por desigualdades, contradições e injustiças sociais como o Brasil, a televisão ainda é um dos principais instrumentos de acesso à informação para boa parte da população. Até porque, as desigualdades brasileiras também são regionais e o jornalismo televisivo muitas vezes contribui para a naturalização dessas diferenças, em vez de problematizá-las. O sociólogo francês Pierre Bourdieu, em Sobre a Televisão (1997), já alertou sobre a “censura invisível” imposta pelas limitações do tempo nas TV’s comerciais, que faz da televisão “um formidável instrumento de manutenção da ordem simbólica”. (BOURDIEU, 1997, p. 20). Ele chamou a atenção para a pressão da lógica comercial e os perigos que corremos com a concorrência sem limites quanto à seleção da informação submetida ao índice de audiência.
Se, para Bourdieu, a concorrência entre jornais e jornalistas submetidos às mesmas restrições, em vez de diversificar, homogeneíza. É o caso de se pensar num jornalismo menos preocupado com e como o que os outros disseram, mas capaz de subverter as regras impostas pela televisão. Com a televisão, estamos diante de um instrumento capaz de atingir todo mundo, como o próprio pesquisador francês reconhece, por isso, reside aí um potencial ilimitado. Inclusive sob o ponto de vista da transformação e cidadania. No entanto, parece que os empresários da mídia regional parecem desprezar essas potencialidades. No caso do grupo NC, os investidores sem experiência no ramo da comunicação parecem não enxergar nada além de números e cifras, tendo como o único objetivo maximizar o lucro e diminuir custos. Ainda não se sabe o impacto das mudanças do novo comando para os outros veículos, incluindo jornais, emissoras de rádio e portais.
Por agora, entendemos que nem mesmo como estratégia econômica essa ideia de centralizar a notícia é boa: a concorrência deverá usar as brechas deixadas. A mudança na formatação do JA se constitui uma forma de estruturar e conceber a informação oposta ao que se defende como jornalismo de proximidade. Visão no mínimo contraditória para uma emissora de televisão que se apropria das questões locais para se afirmar como próxima do público e que quer ser vista como regional.
*Texto originalmente publicado em https://objethos.wordpress.com/2017/05/14/por-que-precisamos-de-um-jornalismo-regional/
Referências:
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
CRUZ, Dulce Marcia. Televisão e negócio: a RBS em Santa Catarina. Florianópolis: Ed. da UFSC; Blumenau: Ed. da FURB, 1996.
MOSER, Magali. Jornalismo forjado: a participação da imprensa na imposição da identidade germânica em Blumenau. 2016. 350 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, Florianópolis, 2016. Disponível em: <http://www.bu.ufsc.br/teses/PJOR0085-D.pdf>
PERUZZO, Cicília M. Krohling. Mídia Regional e Local: aspectos conceituais e tendências. Comunicação & Sociedade. São Bernardo do Campo, SP, a. 26, n. 43, p. 67-84, 1º sem. 2005.
Jornalismo da RBS é muito fraco,principalmente a repetição esportiva.
Recuso-me a votar nas opções que se me apresentam, pois são todas horríveis!
E olha que eu estou de muito bom humor!
Parecem nomes de doenças.
Vão ser criativos lá na esquina!
Alcino Carrancho
RETROCESSO
Infelizmente, a RBS TV Joinville voltou a ser o que era: uma repetidora de luxo! O Jornal do Almoço, tradicional telejornal com notícias de Joinville e região foi encurtado para dar mais espaço às notícias da “cabeça de rede” (RBS TV Florianópolis). Perde o telespectador que fica sem opções! E quem sai ganhando é a concorrência (RIC TV), que só cresce em audiência e faturamento! (Edson José de Azevedo, jornalista em Joinville)