Por Leandro Rodrigues da Silva (ESAG/Udesc), Cícero Nogueira Marra e Vitor Cândido Leles de Paulo (Fundação João Pinheiro), Administradores Públicos.
O exercício retórico que mobiliza, reúne e constrói entendimentos no Brasil por vezes se utilizou dos manifestos e cartas abertas a população. Na Nova República, PSDB, PT e PMDB sinalizaram em períodos distintos perspectivas em relação ao futuro do país e ações que deveriam ser tomadas como prioridades de governo, baseadas em uma análise de conjuntura.
No contexto atual essa tarefa nos incumbe um esforço intelectual sobre-humano, dadas as incertezas e desconfianças em relação a manhã seguinte.
Sejamos claros: qualquer proposta, mudança constitucional, reforma estrutural ou projeto consistente dependerá de um arranjo de forças políticas que possa propor e aprovar no Legislativo. Além de um Poder Judiciário que não revogue as decisões políticas.
Cabe a nós, sociedade, aprender com o momento e exercer nossa cidadania através de nossas associações, grupos, conselhos, conferências e buscar dar nossa parcela de contribuição. Os diagnósticos parecem mais claros dos que a medicação e a posologia.
Chegamos quase no fim da segunda década no novo milênio e ainda estamos devendo as reformas que deveriam ter sido feitas há 50 anos atrás. Vivemos entre avanços e retrocessos, entre novas e velhas práticas em um sincretismo singular.
Estendemos e fizemos valer direitos civis, políticos e sociais em nosso texto constitucional; mas ainda temos uma desavergonhada e aterrorizante desigualdade social. Temos um avançadíssimo sistema de aferição de votos, enquanto convivemos com o clientelismo político. Construímos sistemas únicos e fundos em serviços públicos (saúde, educação e assistência social) com potencial desperdiçado por falta de capacidade gerencial e financiamento.
Uma alta e complexa carga tributária conflita com sua regressividade e as pequenas parcelas destinadas aos municípios. As Escolas de Governo e a institucionalização dos concursos públicos universais, misturam-se em um sem número de nomeações cruzadas em cargos em comissão e os privilégios e corporativismo de certas carreiras na burocracia estatal.
Quase não tivemos tempo nem os recursos para pensar no óbvio e o prioritário: a melhoria dos serviços públicos reais para as pessoas reais. Ideologizamos questões que não precisavam ser ideologizadas e, nessa confusão, esquecemos dos serviços públicos.
Perdemos mais uma vez o bonde da história. Existe uma razão para esse atraso, não estávamos preparados para reconhecer a dimensão da corrupção que nós mesmos estávamos chafurdados.
Entretanto, vivemos um momento único de autoconhecimento da sociedade brasileira, em que, individual e coletivamente, todos estejam repensando o seu papel na construção do país que querem.
É claro que, em um nível mais objetivo, será preciso mais investimento na gestão, em programas descentralizados na temática e na melhoria de processos da administração pública, assim como o incentivo às carreiras de especialistas, principalmente em nível local.
Mas tudo isso será em vão se o país não tiver uma coalizão que suporte a reforma no Estado com os profissionais do Campo de Públicas, especialistas, organizações não-governamentais, associações municipais, políticos comprometidos com a pauta.
Esta coalizão deve se sintonizar com as demandas do Brasil do futuro: a solução dos conflitos distributivos, a necessidade de transparência, o fim dos privilégios de classe, a busca constante pela efetividade.
A profissionalização da Administração Pública é, para a burocracia, a profissionalização do servidor público, isto é, uma mudança cultural de postura destes rumo à vocação e ética.
E para a população, a profissionalização da administração pública é o acesso mais fácil a serviços, o resultado do exercício de cidadania e fiscalização, mas também uma revolução cultural de postura com o Estado, de luta pelos direitos e cumprimento dos deveres.
Neste novo tempo, em nosso novo pacto assinado aos olhos da sociedade a portas e janelas abertas, precisaremos atuar para que a profissionalização da Administração Pública não seja somente um meio para a melhoria dos serviços a população, e sim um sintoma do nosso novo estágio de conscientização, em que o reconhecimento da ética, a expansão da pesquisa na área, as inovações tecnológicas e a formação vocacionada serão o caminho para o desenvolvimento equitativo da sociedade.
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