Felipe Schultze
bacharel em direito
Para quem o conhecia pelas citações da imprensa, surpreendeu-se com a sua rebeldia. Celso de Mello, o Ministro decano do STF, estava incomodado. O Ministro desejava proferir um poderoso discurso em defesa das liberdades desde o início dos recentes ataques ocorridos aos direitos humanos.
O decano analisa de forma lenta e minuciosa as ações que são distribuídas ao seu gabinete. Apesar de serem poucos os processos em que o Ministro leva para discussão no plenário, na Ação que trata dos direitos dos LGBTI, ele fez questão de travar o debate, o decano desejava dar seu recado e aspirava posicionar-se em defesa dos direitos humanos. Não é a primeira vez que o Ministro foi subversivo a ordem vigente, em 1970, quando tomou posse como procurador, proferiu um discurso sobre seu papel e de seus colegas em uma sociedade em que não prevaleciam as liberdades fundamentais, falou sobre o direito de resistência às normas ilegítimas da ditadura militar[1].
Nos anos em que exerce a função de ministro, os longos discursos tornaram-se sua principal marca, porém sua voz nunca foi tão escutada como na última semana. Relator das ações que visam a criminalização da homofobia e da transfobia no Brasil, a voz subversiva e sábia de Celso de Mello ecoou pelo país. Dentre as citações, destaco as mais brilhantes:
“Essa visão de mundo, fundada na ideia artificialmente construída de que as diferenças biológicas entre o homem e a mulher devem determinar os seus papeis sociais, meninos vestem azul e meninas vestem rosa, (…) impõe notadamente em face dos integrantes da comunidade LGBT uma inaceitável restrição a suas liberdades fundamentais, submetendo tais pessoas a um padrão existencial heteronormativo incompatível com a diversidade e o pluralismo (…) Versões tóxicas da masculinidade e da feminilidade acabam gerando agressões a quem ousa delas se distanciar no seu exercício de direito fundamental e humano ao livre desenvolvimento da personalidade, sob o espantalho moral criado por fundamentalistas religiosos e reacionários morais com referência à chamada ideologia de gênero”.[2]
O ministro ainda não terminou de proferir seu voto, a sessão foi suspensa. Porém sua posição afirma um compromisso selado em defesa dos direitos humanos. É assustadora a omissão dos políticos no que tange ao cumprimento da Constituição, cabendo ao STF a regulamentação no que se refere à proteção aos grupos minoritários.
[1] https://www.conjur.com.br/2018-out-24/celso-mello-enfrenta-autoritarismo-ditadura-militar
[2] https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/14/politica/1550152297_535331.html
Bom artigo.
Sem dúvida, memorável voto até aqui do ministro Celso de Melo.