“Pegue a América como exemplo claro, ela está nas piores condições, as pessoas eufóricas, a histeria, a embriaguez, a anormalidade, o vão reinado da turba, o fracasso, o colapso, a lamúria moralista, eu nunca vi algo mais obscenamente delirante do que este lugar”. – Louis-Ferdinand Céline (Escola de Cadáveres)
Um pouco mais de uma semana após o assassinato do cidadão americano George Floyd pela polícia de seu país, o mundo inteiro viu manifestações genéricas “anti-racistas” e anti-autoritárias, mesmo que o foco da intensidade seja o próprio EUA.
Primeiro, devemos enfatizar que o comportamento dos policiais envolvidos no caso é injustificado. Em nenhum manual da polícia seria considerado aceitável pressionar por quase 10 minutos o pescoço de um cidadão que já estava imobilizado e que não estava resistindo.
Falar sobre causas nos leva a caminhos complexos. Os EUA são, é claro, um país mergulhado em tensões raciais que nunca foram resolvidas. O racismo é algo concreto e real lá. E aqui, estamos falando em várias direções. Todos os grupos raciais se tensionam.
Havia quatro policiais envolvidos no caso. Os que tiveram o envolvimento principal foram Derek Chauvin, que assassinou George Floyd, seu parceiro Tou Thao e outros dois policiais que se aproximaram de Floyd, Thomas K. Lane e Alexander Kueng. Derek e Thomas são brancos, Tou é asiático e Alexander Kueng é um mestiço. O chefe de polícia de Minneapolis e superior desses policiais, Medaria Arradondo, é negro.
O registro dos oficiais mais diretamente responsáveis revela que os dois foram desnecessariamente brutais. Chauvin esteve envolvido em vários tiroteios e tem mortes pouco explicadas nas costas. Thao segue a mesma linha. É importante observar que, ao longo de sua carreira, esses policiais foram encobertos pelo departamento de polícia, cujo chefe, vamos repetir, é negro.
Um comentário que devemos fazer é que o fato de a polícia americana não ser militarizada não torna esses casos raros. A noção, portanto, de que a desmilitarização da polícia militar brasileira reduziria os casos de abuso não parece ser apoiada (embora possa haver outras boas razões para a desmilitarização). Os casos de abuso policial abundam nos Estados Unidos.
Mas as estatísticas chamam nossa atenção, mesmo levando em conta questões raciais.
Mas as estatísticas chamam nossa atenção, mesmo levando em conta questões raciais.
Em 2019, a polícia americana matou 1.843 pessoas. Destes, 640 eram brancos, 432 eram negros, 234 eram “hispânicos”, 38 asiáticos, 17 indígenas, 4 do Oriente Médio e os demais eram de origem não especificada. Mas é importante levar em consideração a demografia, pois 60% da população americana é branca, 17% é “hispânica” e 13% é negra.
A polícia americana mata mais brancos do que negros, aparentemente. Mas os negros morrem proporcionalmente mais. As estatísticas “hispânicos” são confusas, porque existem hispânicos brancos e hispânicos negros. E os não especificados atrapalham ainda mais. Lembremos também que este bolo não é apenas sobre pessoas “executadas”, mas também inclui pessoas mortas em confronto com a polícia.
Fora da interação policial, nos aproximadamente 6.000 homicídios solucionados em 2015 em que a raça do assassino e da vítima era conhecida e em que ele era apenas vítima e autor, 2380 negros foram mortos por outros negros, 2574 brancos foram mortos por outros brancos, 500 brancos foram mortos por negros, 229 negros foram mortos por brancos. O que sobra envolve outras raças. Mas as estatísticas americanas são confusas.
O que é surreal é que apenas o número de pessoas mortas pela polícia na cidade do Rio de Janeiro (1810 em 2019) já é equivalente ao número de pessoas mortas pela polícia nos EUA como um todo. Então, por que estamos importando essa agenda de “Black Lives Matter” para o Brasil? Não seria nossos problemas muito diferentes do problema americano?
Vejamos, portanto, que o elemento racial nos EUA é particularmente pronunciado e relevante, mas que as coisas não acontecem de maneira “em preto e branco”, sendo bastante multifacetadas. Os Estados Unidos são um prato cheio para psiquiatras (e, de fato, os psiquiatras se comportam como deuses, prescrevendo remédios faixas pretas como a água, o que leva a massacres nas escolas). Além de qualquer racismo consciente ou inconsciente, é possível ver elementos de sadismo, autoritarismo e abuso de poder muito claramente.
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