Não há, rigorosamente, algo que possa ser dito sobre o trabalho do agora ex-ministro da Educação. Simplesmente, perdeu seu tempo num combate ideológico que não seria anacrônico se fosse na década de sessenta. Suas diferenças contra as universidades até poderiam ter gerado um debate útil, mas o obscurantismo intelectual e a baixa erudição reservaram-lhe o papel de palhaço.
Dias antes de sua demissão, o referido cidadão disse em tom de mesa de boteco “que não quer mais sociológico, antropólogo e filósofo com dinheiro público…” Tem o direito de dizê-lo como cidadão, mas como ministro é o fim da picada. Se soubesse se comunicar, poderia até ser compreendido em sua queixa, mas seu distúrbio intelectual e a preguiça de ler o impedem.
Nem sonha o “erudito” charlatão qual seja a origem da frase que estampa a Bandeira Nacional, tão inocentemente agitada nesses contextos de festivo, porém desorientado civismo. Pode-se descontar o contexto de entusiasmo patriótico e coisa e tal. Mas, antes de agitar uma Bandeira, é preciso certificar-se de ter passado o desodorante.
Adotar o lema na Bandeira foi obra dos militares, cuja orientação clássica vem do Positivismo. Isso tem um pé na escola antropológica evolucionista inglesa. Dela participaram o antropólogo Edward Tylor, teoricamente afinado com o filósofo Herbert Spencer, entusiasta do liberalismo econômico e precursor da Sociologia inglesa.
O Positivismo é a primeira corrente teórica, iniciada pelo filósofo francês Augusto Comte, dito fundador da Sociologia e inspirador das mais caras palavras do idealismo patriótico brasileiro: “Ordem e Progresso”. Soa tão bonito quanto perturbador quando a evolução histórica do País nos brinda, 131 anos depois, com a questionável eloquência ministerial.
Não é só positivista e essencialmente sociológica. A expressão “Ordem e Progresso” denota todo o entusiasmo da Humanidade com a Sociedade industrial crescente do fértil contexto de fatos e ideias do fim do século XIX. Esse entusiasmo estufou o peito e estimulou a inquietude idealista de muita gente séria no Brasil. Um ministro da Educação precisa saber disso.
E pra lembrar que as coisas não são tão simplórias como pensa a cabeça de vossa ex-excelência, o mencionado dizer sintetiza a convicção a um só tempo mais conservadora (ordem) e evolucionista (progresso) que inspirou os líderes de sólida formação moral e acadêmica do Exército Brasileiro na Proclamação da República.
Foi também no ano da Proclamação que, na capital paranaense, nasceu o filho do General João Batista Cardoso, e que também se tornaria militar, Leônidas Fernandes Cardoso. Foi o pai do sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que amigos do ministro chamam de comunista, mas que também já foi xingado de neoliberal umas cem mil vezes.
Fernando Henrique, é verdade, não chegou a ser um ardoroso positivista como seus pai e avô. Mas estruturou seu pensamento a partir da leitura que fez do melhor aluno de Comte, o magnífico filósofo conservador francês, Émile Durkheim. Juntamente com seu contemporâneo alemão Max Weber, definiu as bases metodológicas e teóricas da Sociologia.
Como positivista e defensor das instituições (o que equivale a ser conservador e evolucionista como ensina a Escola Superior de Guerra), Durkheim acreditava no caráter corretivo da justiça e, sobretudo, reformador da Educação. Com leis e educação, as sociedades acertariam os ponteiros do relógio social e progrediriam com ordem.
Não distante disso, o meticuloso filósofo do direito e economista Max Weber acreditava na capacidade das ideias de interferirem na realidade, inclusive na economia. E foi o weberiano Fernando Henrique que, presidente, teve a ideia de reunir uma excelente equipe econômica e implantar o plano Real, um sopro na evolução.
A Sociologia brasileira, é bem verdade, se apequenou nas especializações e, aqui e ali, nas universidades brasileiras, tem menosprezado a importância da economia produtiva. E é ironicamente a produção que tem garantido o maior trunfo argumentativo da Sociologia ocidental: a defesa do Estado de bem-estar social. É o lagarto comendo o próprio rabo, mas o ex-ministro também não sabia disso.
Noutra analogia zoomórfica, também é a Sociologia que produz o próprio antídoto. É só voltar aos clássicos, que pensavam interdisciplinarmente. Além da Filosofia, as Ciências Sociais têm a receita para o desenvolvimento, é só juntar as peças. Isso sem falar no diálogo inter-científico com a Biologia, a Engenharia, a Física e a Informática etc. Mas o mencionado cidadão nunca leu a respeito.
Se o ex-ocupante do Ministério da Educação entendesse isso… bom: conjectura inútil sobre alguém que vai tarde e jamais devia ter ocupado essa pasta, se quem tem a prerrogativa da indicação escolhesse melhor. Muito irônico é considerar que, diante de sua ira anti-intelectual, seu substituto viesse a ser, como foi sondado, um professor de Filosofia alocado no Ministério.
Ora, o problema não é ter bronca com filósofo, sociólogo ou antropólogo. Pessoalmente, não gosto de muitos e desprezo alguns, como é possível que Eu mesmo seja intelectualmente desprezível pra alguém. Mas as generalizações desse tipo denotam desconhecimento sobre a complexidade da ciência e sobre a história do País, algo aceitável até de um presidente da República, mas jamais de um ministro da Educação.
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