Opinião: o que é ditadura?

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Falar de ditadura costuma ser um debate delicado, porém importante. Talvez não se dê a devida importância para compreender o que é uma ditadura e manter a memória fresca. Especialmente na condição de brasileiro, para falar sobre ditadura não é necessário ir longe nem geográfica, nem cronologicamente. Um bom ponto de partida para definir que regime político é esse, é pensar nele como o oposto da democracia. Na democracia existe o consentimento da população a respeito das decisões e da escolha de representantes, já na ditadura, essa concordância não existe. A participação popular é mínima, ou simplesmente não ocorre (TEODORO, 2020).

A ditadura se caracteriza por um governo muitas vezes totalitário, com um poder absoluto sobre os demais poderes — o executivo exerce domínio sobre o legislativo e o judiciário. O poder fica concentrado nas mãos de um indivíduo, de um ditador ou de um grupo de pessoas (BEZZERA, 2020). O problema aqui reside no fato de que todos os poderes são necessários para limitar as ações de indivíduos que podem querer governar a partir de seus interesses pessoais ou de uma classe em específico. Precisa haver um trabalho coletivo entre os poderes, que não acontece na ditadura. Governos ditatoriais exercem o poder de forma ilegítima.

Montesquieu — filósofo político francês, que elaborou a teoria da separação dos três poderes, e que viveu entre 1689 e 1755 — dizia que “Todo homem que tem o poder é tentado a abusar dele. […] É preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder”. O que se procura ressaltar aqui é que, quando há excesso de poder nas mãos de um único indivíduo ou grupo, a tendência é abuso de autoridade. Surgem então governos autoritários que, muitas vezes, se utilizam da repressão policial e constante autopropaganda. Seu poder não possui limites jurídicos.

Sua forma mais comum envolve o golpe militar como maneira de instituir o regime. Porém, uma ditadura também pode se dar por vias até então democráticas (via eleições), já que o governante utiliza sua posição para reprimir opositores e se manter no poder (ROMANZOTI, 2017). Ditaduras costumam cultuar a figura de seu líder como um salvador que vai levar o Estado à perfeição, ao fazer o que nenhum outro governante poderia, ou desejaria fazer.

Ditadores se utilizam de diversas estratégias para legitimar suas ações: Stalin, na antiga União Soviética (URSS), tinha paranoias com relação a conspirações. Hitler, no âmbito do nazismo, promoveu o aniquilamento de milhões de judeus nas fábricas da morte, por preconceito, numa tentativa de alcançar sua visão de nação ideal. Pol Pot, no Camboja, desprezava até mesmo a classe instruída – usar óculos era sinônimo de intelectualidade e poderia resultar em morte (DAHL, 2001). 

O Nazismo de Hitler e o Fascismo de Mussolini utilizavam o ódio como forma de promover a política do extermínio. Perpetuavam uma noção de “nós” superiores e os “outros” como coisas não humanas a serem destruídas (PEREIRA, 2019). Líderes ditadores se aproveitam de países democráticos em crise, sem confiança política, desmotivados por questões como desemprego, corrupção, crises econômicas e humanitárias, para chegar ao poder e promover o ódio e a divisão social.

Contrários a tudo que a democracia representa e defende – igualdade política, direito ao voto, à liberdade de opinião, de ir e vir, a possibilidade de escolher representantes e tirá-los do cargo se for necessário – o ditador ocupa seu cargo de maneira irregular, contra a vontade popular, mas não pode ser retirado por puro desejo da população como acontece na democracia. Ditadores são pessoas que julgam saber o que é melhor para a população, porém, sem qualquer consulta, impõem seus desejos com ou sem uma maquiagem democrática para manutenção das aparências.

A Constituição passa a ser ignorada e as vontades do grupo no poder se tornam mais relevantes. As poucas eleições remanescentes carecem de transparência e são limitadas. Por vezes é criado um inimigo supremo da nação que deve ser combatido com repressão e pulso firme, que nada mais é do que uma justificativa para atitudes incabíveis e injustificáveis. Toda oposição é reprimida. Começam as limitações das liberdades, prisões não justificadas seguidas de torturas, censura, controle de imprensa, pessoas desaparecem sem deixar rastros. Os direitos humanos são negligenciados.

Mesmo considerando toda a violência presenciada, algumas pessoas pedem a volta desse tipo de regime, argumentando pelo zelo da prosperidade. A história prova que ditadura não combina com paz, com desenvolvimento humano, riqueza e prosperidade (DAHL, 2001). Em 1964, o Brasil tinha dívida externa de 3 bilhões; em 1985 registrou uma dívida externa de 90 bilhões. A inflação no começo da ditadura militar era de 92,1% e no fim era de 224%. O PIB alcançou um crescimento de mais de 10,4% durante o regime, mas ao final decaiu para – 4,3%. A sensação de “segurança” chegou somente para uma parcela da sociedade, já que as periferias presenciaram intensa violência. Houve concentração de renda e mais pessoas ficaram pobres. O milagre econômico beneficiou apenas a elite.

Citando Montesquieu novamente, ele define o governo despótico – poder concentrado em uma pessoa – como “um, sozinho, sem leis nem freios, arrasta tudo e todos no sabor de suas vontades e de seus caprichos”. Há a ilusão de que viver em uma ditadura ao invés da democracia seria vantajoso, mas apenas durante um governo democrático, longe da repressão, a população tem poder para expressar opiniões, cobrando do governo as mudanças desejadas. O representante de uma nação não é um chefe, mas sim um político que apresentou um projeto de governo que favorece a vontade popular. Vota-se num projeto, não em um comandante.

A ditadura acontece independentemente de a população desejá-la, assim como acontece mesmo que alguns neguem a sua existência. Dessa maneira, há muito que se aprender com a Alemanha: reconheceram o erro e relembram a história constantemente para que não se repita. Não esquecem, não negam, nem suavizam o problema para fazer parecer que se trata de um período glorioso. O governo precisa ser bom para todos e não somente para um grupo específico. A busca por um milagre econômico não pode ser mais importante que a liberdade e a vida humana.

Trata-se de uma forma opressora e arbitrária de governo que utiliza a intimidação para conseguir quaisquer desejos do ditador (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996). Foi uma época dolorosa para o Brasil e para diversos outros países e deve permanecer na memória dessa mesma maneira. Quem vive em uma democracia, ainda se sente no direito de pedir a volta de uma ditadura. Quem vive numa ditadura, não possui direito de pedir mudança alguma.

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