Coluna: MARINA MELZ jornalista
Imagine que você está num mundo sem celular e sem internet (sim, isso existiu e foi há menos de 30 anos). Nós somos a última geração nascida num mundo analógico. E quem nos aconselhou para a vida sempre teve a ingrata missão de tentar guiar os nossos passos sem nem sequer supor o que seria de nós neste ambiente em que digital e real se entrelaçam ao ponto de se confundirem.
“A competitividade está pegando”
É verdade que as grandes corporações estão vendo seus espaços diminuírem e, por isso, investindo vidas inteiras (carreiras inteiras, no caso) no ganho de dois segundos na produção do refrigerante, do byte, do tecido. Mas será que alguém imaginava que tantos livros, discos, viagens e projetos seriam realizados através de financiamentos coletivos? Será que os nossos pais ou avós conseguiriam imaginar o hotel era substituído por um sofá na casa de algum desconhecido?
Somos uma geração mais coletiva do que nunca. A internet facilitou o encontro de pessoas com propósitos similares e, talvez como nunca antes, estamos dispostos a usar os nossos vários talentos a favor de várias causas. Ouvir estranhos (outro conselho que pai ou mãe nenhuma dá aos seus filhos) se tornou uma fonte incrível de inspiração.
Do trabalho ao voluntariado, passando por movimentos fundamentais como o feminismo (sororidade, afinal de contas, é disseminar colaboração entre mulheres criadas para competir): não temos mais a visão cartesiana de pensar na vida como uma partida de futebol em que há apenas um lado ganhador.
“Tenha um negócio e todos os seus dias serão incríveis”
Empreender é maravilhoso. É lindo, traz uma sensação de realização sem igual. Mas não existe felicidade que seja eterna, não existe semana só com dia bom. Existe perrengue em todas as profissões, em todos os empregos, em todos os lugares. O vlogger às vezes acorda sem vontade de gravar, sabia?
Existe uma insatisfação no ar em todos os meus amigos e conhecidos que estão na faixa dos 20 aos 30. Eles acreditam piamente que o empreendedorismo é uma pílula mágica que vai os livrar de reclamações de clientes, de salários frustrantes e vai fazer com que eles possam “fazer apenas aquilo que acreditam”. Eles estão enganados.
Empreendi aos 22 anos. Amo meu negócio e me dedico a ele com um afinco proporcional a esse amor. Falo somando essa experiência a de vários outros amigos que embarcaram neste mundo louco de ter um negócio: é cansativo, pode ser frustrante e não deixa um minuto apenas de ser desafiador.
Não acho que você não deva fazer o que ama, nem desaconselho a empreender. Mas valorizar o trabalho que se tem é tão importante quanto sonhar em ser o próprio chefe. Receber um salário é bem mais simples do que pagar um, fazer o que o cliente quer (do jeito que ele quer) é bem menos doloroso do que um processo desgastante de negociação, fazer amigos na firma é muito mais prazeroso do que dar feedbacks negativos a pessoas que você aprendeu a gostar.
Dá pra ser feliz trabalhando com o que ama num negócio que não é seu. E é bem possível ser absolutamente infeliz empreendendo. Não existe fórmula, não caia nessa.
“Diga-me com quem andas e te direi quem és”
O Christopher era do time do futebol. O Diego, dos nerds. O Tiago, dos evangélicos. Os meus três melhores amigos de escola eram cada um de uma galera diferente. Era necessário escolher. O sentimento de pertencimento trazia um falso resumo: nem adiantava conversar com um se não gostasse de futebol, com outro sem saber a diferença entre hardware e software e com o último se eu fosse praticante do espiritismo.
Hoje adianta. Nós entendemos que categorizar é segregar. Que somos uma soma de crenças, gostos e atividades e que existe no mundo que existe dentro de nós espaço para que tudo isso conviva. Que o apaixonado pelo Flamengo também pode entender de informática, que quem tem uma profissão em horário comercial pode ter outra nas horas vagas e estamos até compreendendo que pessoas com posicionamentos políticos opostos podem conviver se entenderem que não é a cor vermelha ou azul que determina caráter.
Respeitamos mais, encaixotamos menos. Admiramos mais, resumimos menos. Percebemos que o mundo pode até ser dividido em grupos, mas que estamos, invariavelmente, em um milhão deles ao mesmo tempo.
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