Os conhecimentos científicos em torno da existência dos vírus sugerem que os mesmos surgiram juntamente com a vida. Há milhares deles na natureza. Os que se manifestam conseguiram se adaptar e infectar o corpo humano desencadeando mal-estar passageiro, situação de debilidade física, ou mesmo levar a óbito seu hospedeiro. Também é de conhecimento suficiente que a intensidade dos danos causados pelo vírus ao corpo humano está intimamente vinculada a baixa na capacidade imunológica. As deficiências imunológicas são proporcionais à intensidade devastadora do vírus nos órgãos e tecidos do corpo humano.
Talvez o argumento acima nos auxilie a compreender a extensão que o vírus da Covid-19 alcançou mundialmente. Estamos diante de sociedades nacionais e globais debilitadas. Se por um lado tais sociedades demonstram pujança na dinâmica de plena produção e, do pleno consumo de massa, condição necessária e fundamental a manutenção da economia financeirizada, por outro lado, tal modelo promove à concentração da riqueza socialmente produzida, o endividamento de indivíduos, a frustração diante da impossibilidade de alcance da miríade de oportunidade de consumo de objetos, bens e serviços, de viagens a praias paradisíacas mundo a fora, a prática de esportes radicais. Cansaço, frustração, ansiedade, depressão, abandono do debate público, insulamento dos indivíduos e, nos casos limites suicídio. Assim, é preciso reconhecer que há um bom tempo estávamos debilitados, com baixa imunidade. O vírus da Covid-19 encontrou nas sociedades globalizadas as condições ideais para sua disseminação pandêmica.
Num ambiente de contágio generalizado, de pandemia, o vírus (seja ele qual for) enfrenta inúmeras situações e, barreiras advindas do posicionamento das diversas sociedades com que entra em contato. As sociedades, mesmo que integradas globalmente, estabelecem estratégias nacionais, regionais e locais de combate ao vírus. Neste contexto é possível vislumbrar algumas estratégias de ação adotas pelos mais diversos governos mundo afora. A estratégia dos governantes da China e, da Coréia do Sul, entre outros países asiáticos, que imprimiram (e continuam a fazê-lo) rígidos controles estatais sobre a circulação dos indivíduos e, da dinâmica econômica como forma e controle da pandemia. A estratégia dos governos da União Europeia que agem a partir de um controle regulado, mas com certa flexibilidade no que concerne a circulação dos indivíduos e a dinâmica econômica. A estratégia negacionista do outrora governo Trump nos Estados Unidos, seguido pelo governo brasileiro e, que a despeito dos milhares de mortos continua demonstrando um absurdo descaso com a vida humana, com a vida dos brasileiros, assumindo neste contexto a caracterização de um governo genocida. Evidentemente existem outras estratégias governamentais em curso pelo mundo, mas para nosso intento analítico bastam as descritas.
Os diversos posicionamentos governamentais acima revelam como cada uma dessas sociedades compreende a si mesma e, em contrapartida é compreendida, respeitada e amparada pelas suas instituições governamentais. O descaso do governo Trump com a pandemia, entre outras variáveis custou sua reeleição. Ou dito de outra forma, tais posicionamentos demonstram o grau de desenvolvimento social, político, cultural e institucional de um povo. No caso brasileiro, a pandemia e a respectiva ação governamental apenas reafirmam a forma grotesca e brutal das relações sociais, que se circunscrevem nos primórdios desta colônia de exploração inicialmente de domínio lusitano. Ou seja, não nos compreendemos como uma sociedade que compartilha o espaço público no qual se constituem e, se efetivam laços de confiança, de cooperação, de oportunidades, a partir das quais cada indivíduo possa demonstrar suas qualidades e potencialidades corroborando para o desenvolvimento humano e social a altura dos desafios do tempo presente.
Neste contexto, a pandemia potencializa os absurdos governamentais, individuais e sociais em curso. Mas, sobretudo desnuda a condição de um povo conformado por milhões de indivíduos que apenas reconhecem seus interesses privados, patrimoniais em detrimento dos interesses públicos. Diante da pandemia imperam as máximas populares: “cada um por si e deus por todos” (isto se deus ainda estiver por aqui); “salve-se quem puder”; “cada macaco no seu galho”; e alcançando a quintessência, a máxima de Gerson: “Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também (…)”. É preciso reconhecer que o tecido social conformado no processo de colonização a partir de donatários de capitanias hereditárias, senhores de engenho, escravos negros, capazes, caçadores de escravos, bandeirantes, coronéis locais, oligárquicas regionais, imigrantes é perpassado por laços de desconfiança, pela ausência de laços comunitários, de iniciativas de cooperação e, sobretudo pela inexistência do espaço público, na medida em que este espaço pertence ao coronel, ao general, ao capital, aos banqueiros, aos latifundiários e, por ai segue a lista de proprietários privados do espaço público.
No que se refere a educação, a pandemia (insista-se no argumento) apenas demonstrou o grau de debilidade social em que nos encontramos inseridos historicamente. Vejamos. No contexto da colônia de exploração a educação foi confiada a Companhia de Jesus. Uma educação catequética para os índios e mamelucos. Os filhos da elite colonial estudavam na metrópole. Cursavam majoritariamente direito. Herdariam os postos de comando na colônia. Aos escravos negros a libertação os lançou na condição de sem terra, de sem alfabeto, de sem direito a uma vida minimamente digna. Situação que dramaticamente perdura. Atravessamos o século XX – da República Velha, ao golpe militar de 1964, a Nova República com a reabertura política a partir de 1984 até o presente momento com a decomposição da república de fake news do capitão – desprovidos de posicionamento cívico, social suficiente, que elevasse a educação em todos os seus níveis a condição de prioridade urgentíssima para o desenvolvimento humano, social e nacional.
Somente no período pandêmico o país viu transitarem no MEC (Ministério da Educação) três ministros e nenhuma proposta educacional. O primeiro ministro foi agraciado pela sua incompetência com cargo no banco mundial com sede nos EUA. O segundo ministro não permaneceu no cargo duas semanas em função de supostos plágios e falsificações em documentos acadêmicos. O terceiro ministro atualmente na pasta nada apresentou de significativo como proposta educacional. Mas, no cotidiano encaminha cortes orçamentários e redução de recursos para bolsas de pesquisa junto ao CNPq, a Capes, cortes nos orçamentos das universidades públicas federais, entre outras situações que saberemos algum dia.
Sob tais pressupostos, a pandemia denuncia o apagão educacional em que o país foi lançado. Apagão legitimado pela apatia social diante da precariedade educacional em curso. É quase inexistente o debate social sobre a precariedade da educação nacional, estadual e municipal. Há um silêncio ensurdecedor em torno da educação. É bem verdade que é preciso reconhecer que a opinião pública foi esquartejada pela gritaria e pela violência dos indivíduos nas redes sociais. A vociferação dos indivíduos nestas plataformas, para além do fato de serem desprovidas de bom senso, de racionalidade suficiente para interpretar demandas sociais, impede a conformação de uma opinião que possa ser compartilhada publicamente. No ambiente virtual é preciso levar vantagem em tudo.
Mas, também se apresenta e incomoda a significativa ausência dos professores no fomento ao debate social em torno das questões educacionais. Esta ausência demonstra a gravidade da situação, afinal o professor é acima de tudo um intelectual. É alguém que optou por uma profissão que demanda o exercício intelectual, o posicionamento, o discurso diante das mais variadas questões sociais em curso e, sobretudo no que concerne às questões educacionais. Mesmo que se considere que questões de interesse público demandam o posicionamento de qualquer cidadão comprometido com o espírito republicano, a participação do professor no debate educacional é fundamental na medida em que sua formação o habilita a ser referência teórica, discursiva e prática em torno da educação.
A pandemia nos encontrou debilitados, com baixa imunidade social e nos lançou na unidade de tratamento intensivo (UTI). Respiramos por aparelhos. Não falamos mais. Estamos desprovidos das condições vitais para o debate em torno das questões públicas, que poderiam ter nos permitido melhores estratégias de enfrentamento ao vírus. Estamos mudos diante da tragédia também educacional em curso. Estamos à mercê das portarias, dos decretos, das normativas governamentais que historicamente e, até pessoalmente em casos expressivos não demonstraram e não demonstram apreço pela educação. “Para quem não sabe para onde vai qualquer caminho serve” (Alice no país das maravilhas). A trajetória dos mais diversos povos ao longo da história de milênios demonstra de forma inequívoca, que os povos que se esmeraram na construção de propostas educacionais distintas alcançaram desenvolvimento civilizatório suficiente. Todo o resto é mediocridade, dor e sofrimento.
Brilhante análise/colaboração!
Triste sina a nossa!