Era o último dia de junho de 2013. A seleção brasileira, com dois gols de Fred e um de Neymar, atropelou a seleção da Espanha na final da Copa das Confederações no Maracanã. O evento era um teste para a Copa do Mundo, marcada para o ano seguinte. No jogo daquele domingo, como em todo o campeonato, tudo havia dado certo. Não é preciso lembrar que a seleção de Vicente Del Bosque era a então campeã do mundo e bicampeã europeia, e tinha como base o time do Barcelona que assombrava o mundo com o estilo de jogo de dois toques.
Ao de sair do maracanã, dirigiu-se para Zona Sul. Destino o Aterro do Flamengo. O jantar na Churrascaria Porcão era a última etapa do itinerário de incursão na antiga capital brasileira. Não era só o selecionado de futebol que estava voando em campo. Vinte e oito anos depois do final da ditatura civil militar, nossa democracia e nossa economia viviam os melhores dias. O que para a geração dos seus pais era apenas uma atração televisiva, tornou-se possível para as classes mais populares. “O aeroporto virou uma rodoviária”, reclamava a esposa do trapalhão mais famoso.
Naquele ano, a economia brasileira cresceu 3%, bem melhor do que o 1% do ano anterior. Porém, o sentimento geral da população era de frustação, pois o crescimento estava aquém dos 7,5% que o país atingiu em 2010. A taxa de desemprego estava em 4,3%, a menor da história brasileira. O acesso facilitado ao consumo e a democratização do acesso à educação, com a ampliação de créditos universitários e da rede pública de ensino superior. Todos tinham a sensação de que finalmente tinham chegado à classe média.
O Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, que era de 0,649 no início dos anos 2000, chegou a 0,755. Segundo dados do próprio Banco Mundial, 5 milhões de brasileiros deixaram a extrema pobreza. E, por volta de 2009, o programa havia reduzido a taxa de pobreza em 8 pontos percentuais. A realização do principal torneio de futebol seria a coroação de uma era. Tamanho crescimento mergulhou o pais em uma euforia social.
O ano de 2013 também ficou marcado pela vitória na justiça eleitoral do palhaço e deputado federal Francisco Everardo Oliveira Silva, popular Tiririca (PR/SP). O palhaço foi eleito Deputado Federal em 2010, por São Paulo, com cerca de 1.348.295 votos, cerca de 6% dos votos validos do maior colégio eleitoral da federação. O congressista, com o slogan-piada “Vote no Tiririca, que pior que está não fica”, era acusado pela imprensa e pelos inimigos políticos de ser analfabeto.
A Churrascaria Porcão era frequentada por políticos e personalidades na cena nacional e carioca. A casa era muito menos conhecida pela qualidade dos frequentadores, e muito mais pela qualidade de seus cortes. A maminha e fraldinha servidas lá eram consideradas as melhores da cidade. Em uma passada de olho rápida pelo salão da casa identificou algumas celebridades. Estava lá o jornalista esportivo Jorge Kajuru. Bonachão, trabalhava na TV Esporte Interativo, onde mantinha um programa chamado de “O incrível Kajuru”. Nele veiculava de forma sensacionalista notícias sobre a vida pessoal e financeira de jogadores, ex-jogadores e colegas da imprensa. Naquele período, os assuntos eram a vida fiscal de Ronaldo Fenômeno e o um bate-boca que o jornalista tivera com Boris Casoy, a quem acusava de ter recebido dinheiro de empresários.
Danilo Gentili, humorista e repórter da TV Bandeirantes, trabalhava no CQC. O programa que foi importado da Argentina notabilizou-se por apontar as contradições da política em Brasília. O programa explorava, sobretudo, as mutretas do centrão e do chamado baixo clero. A atração surfava na crescente onda anti-política que aparecia no país. Um dos deputados que eram frequentes no programa era o Deputado Federal pelo Partido Progressista do Rio de Janeiro, Jair Messias Bolsonaro.
Bolsonaro ganhou fama nacional por assumir ter cometido “atos de indisciplina e deslealdade para com os seus superiores no Exército”. Os atos consistiam em planejar explosão de bombas em quartéis e outros locais estratégicos no Rio de Janeiro. Eleito deputado federal, notabilizou-se pela defesa da ditadura militar, a tortura e ataques a mulheres e minorias. No ano de 2013, Bolsonaro era integrante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Na época, a comissão era presidida pelo pastor Marco Feliciano (PSC-SP). A principal pauta de Feliciano era a agenda conservadora. Bolsonaro dizia ser um soldado de Feliciano. Naqueles dias o deputado também figurava nas notícias de política por responder um processo na comissão de ética depois de ter desferido um soco no Senador Randolfe Rodrigues (REDE-PA).
De automóvel, o trajeto entre a churrascaria e o Aeroporto Santos Dumont era de cinco minutos. No avião, depois de ouvir as instruções dos comissários e as boas vidas do comandante, aninhou-se na poltrona. A trip pela cidade maravilhosa e pela vida de classe média roubara toda a sua energia. Foi vencido pelo cansaço. Antes de acordar, com o choque bruto da aeronave nas pistas do aeroporto Ministro Victor Konder, em Navegantes, teve um pesadelo: sonhou que estava no Brasil de 2021. Em 2014, nossa imbatível esquadra de 2013 tinha tomado uma goleada da Alemanha. Na onda da antipolítica, o deputado do baixo clero do Rio de Janeiro foi eleito Presidente da República. Foi eleito ele e uma série de novos políticos populistas. Todos embalados pela “nova politica”. Entre eles, Jorge Kajuru. No pesadelo, o Brasil tinha caído de 7° para 12º no ranking das economias globais, o desemprego estava agora em 14% e a fome tinha voltado a atingir mais de 10 milhões de brasileiros. O mundo vivia uma pandemia e o Brasil era o epicentro dela. No sonho, o jornalista e senador Kajuru mostrava uma gravação do Presidente da República ameaçando repetir o soco no senador do Pará, e o humorista Danilo Gentili era pré-candidato à presidência.
Segundo os psicanalistas, pesadelos são uma espécie de fantasma da realidade. E suas causas são difusas. Mas pensando bem, a piada que o palhaço contou em 2010 não tinha menor graça. Piorou, e muito.
Ao contrário do que o Palhaço Deputado diz, cada coluna do Josué melhora ainda mais, toda a semana!