Muito se fala de uma onda “conservadora” de direita que ascendeu recentemente, especialmente com as eleições do agora ex-presidente Trump (EUA) e do Presidente Bolsonaro (Brasil). Muitos dos autodenominados “nacionalistas” se refugiaram nessa corrente na busca por um aliado contra supostas forças subversivas. Mas essa estratégia tende a cada vez mais se mostrar um fracasso em vista de frequentes erros e contradições que, com alguns exercícios de observação e alusões históricas, mostram-se vícios da direita conservadora. Abaixo, listo alguns aspectos que julgo como erros e contradições do assim chamado movimento neoconservador.
- Tendência antipopular
Se por um lado falam em “povo brasileiro” e em “pátria”, por outro, neoconservadores costumam adotar uma interpretação pessimista da história e da gênese do povo brasileiro. Não raro, ideólogos neoconservadores afirmam que o brasileiro não tem condições de ser de “primeiro mundo” enquanto não adotar algum sistema de valores estrangeiro. As nossas manifestações culturais mais tradicionais, especialmente as grandes festas como o carnaval e muitos ritmos musicais, como o samba e a moda de viola, são desprezados como reflexo de uma cultura inferior. Não só os aspectos culturais, como também a própria religião tradicional dos brasileiros acaba por ser desprezada. Os conservadores brasileiros de maneira curiosa, justamente aqueles que se propõem a defender a religião, concluem de forma um tanto contraditória, que o Brasil herdou diversos males por conta do catolicismo ibérico e que, por isso, deveriam procurar uma religião que tivesse mais a ver com o trabalho e o capitalismo, como algum tipo de protestantismo norte-americano. Aliás, não é incomum ouvirmos que o Brasil deveria ter sido colonizado por Inglaterra ou Holanda, como disse em tom irônico certa vez o mais ilustre dos neoconservadores brasileiros, o pensador e polemista Olavo de Carvalho.
- Distanciamento da comunidade latino-americana
Os fundamentos ideológicos dos neoconservadores brasileiros apregoam uma posição de amplo e irrestrito atrelamento aos Estados Unidos. Isso não está explícito, mas pode ser avaliado (ao menos no campo da possibilidade) como uma manifestação antipopular que os leva à conclusão de que o Brasil precisa imitar um povo “superior” para ter sucesso. O Brasil não pode se aliar com seus vizinhos sul-americanos que lhe são mais próximos cultural, política e espiritualmente, mas deve buscar fazer parte do “Ocidente”, do “primeiro mundo”, que é encabeçado pelos EUA. Nossos vizinhos são classificados ideologicamente, são “comunistas” e “bolivarianos”, já os EUA são o exemplo de civilização cristã e de liberdade. Quando o Presidente Bolsonaro viaja aos EUA e com frequência presta continência à bandeira norte-americana, estamos vendo a conclusão mais caricata do “nacionalismo” de direita.
- Comprometem relações historicamente amigáveis
A proposição contínua de alinhamento aos EUA resulta, consequentemente, em apoio igualmente irrestrito ao Estado de Israel como o representante da civilização ocidental “judaico-cristã” no Oriente Médio. Esse alinhamento tido como inalienável é influenciado fortemente pela comunidade evangélica, na figura de suas lideranças, envolvida com essa nova direita, mas não apenas isso, é também reflexo do bombardeio midiático que idealiza os inimigos políticos de EUA e Israel no Oriente Médio como os países atrasados, bárbaros, autoritários e radicais. Dessa forma, o Brasil adota posições na política externa que ferem relações próximas historicamente com as nações do mundo árabe e nos deixam em posição de grande desvantagem no comércio internacional.
- Desprezo aos dispositivos de defesa do trabalhador
Ao mesmo tempo em que pregam o valor do trabalho e do mérito, cultuam figuras do capitalismo financeiro e os bilionários nacionais como alicerces da economia brasileira. Creem que bilionários sejam de fato o exemplo de como o trabalho duro leva ao sucesso, mas ignoram os milhões de brasileiros que trabalham duro em empregos precarizados e que continuam na miséria. Acreditam, ou fazem crer, que o trabalhador só é pobre porque quer, porque é há entre os brasileiros um grande percentual de indivíduos que nada mais fazem do que ansiar usufruir indiscriminadamente dos “excessivos” benefícios do Estado. Aparentemente, se nega a evidência sociológica básica de que crianças que nascem na miséria terão muito menos oportunidades em vida que crianças que nascem em famílias ricas. Aparentemente, se nega o fato de que a legislação trabalhista funciona em defesa do trabalhador em relações assimétricas e que não existe uma “negociação” livre entre o patrão e empregado. A crença cega em trabalho duro individual e liberdade de iniciativa leva, consequentemente, ao aumento do precariado, isto é, uma massa de trabalhadores sem qualquer proteção e garantias contra abusos do mercado, ou, como se tornou palavra usual, “empreendedores”.
- Defendem a família até a página 3
A direita conservadora costuma se apresentar como uma defensora da família e da tradição, mas mesmo que acertem ao questionarem os métodos de militância segregacionista (os ideais são legítimos, o que me refiro como questionável são os métodos de militância) das chamadas pautas identitárias como o movimento feminista, por exemplo, costumam dar suporte à destruição das bases materiais que proporcionam estabilidade às famílias. Empregos precarizados, serviços públicos de educação, saúde e segurança sucateados, especulação imobiliária que leva os imóveis a preços altíssimos, entre outras coisas. Fatores que minam toda a base material sobre a qual as famílias possuíam segurança. Uma família estável e que consegue se defender é uma família com moradia, com emprego e com garantia de saúde e educação de qualidade por parte do Estado. Além disso, acreditam que a família tradicional se resume a uma caricatura apenas com pai, mãe e filhos, mas esquecem a tradição familiar em nosso país de grandes famílias estendidas a diversos parentes que se organizam em torno de um núcleo comum, uma organização que é praticamente um clã e que ainda é bem comum no Brasil.
- Insistência na dicotomia público vs. privado
Os adeptos do movimento neoconservador partem da premissa de que apenas a iniciativa privada pode criar bons serviços, com base na percepção de que a livre concorrência melhora os preços e a qualidade. Mas não é isso que a realidade mostra. São diversos os exemplos de empresas estatais que foram privatizadas e que se revelaram como um grande fracasso. Alguns casos resultaram até em desastres, como em Mariana e Brumadinho e nos casos recentes de falhas de fornecimento de energia em alguns estados, como aconteceu no Amapá. Empresas estatais que são bem-sucedidas e que prestam bons serviços acabam sendo sucateadas e vendidas a preço ínfimo para investidores estrangeiros. Os membros desta onda conservadora parecem incapazes de entender conceitos como setores estratégicos e soberania econômica. Apoiam veementemente a entrega de riqueza nacional estratégica para estrangeiros da iniciativa privada na crença de que os serviços e preços melhorarão, mas depois de poucas décadas de várias privatizações, vivemos hoje com os preços cada vez mais altos e os serviços cada vez piores. A solução que eles propõem? Mais privatizações, pois o “verdadeiro liberalismo nunca foi feito”. Não é diferente de quando representantes da esquerda fecham os olhos para os erros dos regimes de esquerda dizendo que “o verdadeiro socialismo nunca foi feito”.
- Desconsideração pela cultura nacional
Pela dificuldade em entender questões políticas de valor público, da soberania e dos setores estratégicos, neoconservadores apoiam políticas que visam integrar ainda mais nosso país no caldeirão da globalização, que visa apagar as fronteiras culturais e políticas em nome de um livre mercado. A livre circulação não será apenas de mercadorias, mas também de seres humanos. As identidades e tradições culturais estarão evidentemente no caminho da marcha do livre mercado global e deverão ser destruídas em seu nome.
- Acreditam em uma ameaça comunista
Presos numa mentalidade de Guerra Fria, ou então até de anos 30, os conservadores brasileiros acreditam que há uma ameaça comunista constante. Passam a impressão de que temem que alguns guerrilheiros do Foro de São Paulo já estejam instalados em alguns locais preparando uma guerrilha. A imposição da ideologia de gênero nas escolas é apenas uma estratégia do “marxismo cultural” para desestabilizar o país antes da guerrilha. Mas será que isso realmente se trata de “marxismo cultural”? Ou na verdade o que temos diante de nós não seria algo mais próximo de um liberalismo cultural duro e puro, que, como dito no item anterior, visa obliterar as identidades tradicionais para implantar o livre mercado global num mundo sem distinções de famílias, nações, etnias, etc; em vez disso, um mundo massificado em que seres humanos são apenas mercadorias individuais? Fica a reflexão.
- Acreditam numa ameaça fascista
Mais recentemente virou moda entre neoconservadores a adoção de um antifascismo de viés liberal. O anticomunismo fanático os leva a serem automaticamente considerados como “fascistas” pelos seus opositores de uma esquerda decrépita e alheia ao seu passado histórico. Os conservadores de direita, por sua vez, respondem que o fascismo não é nada mais que um movimento de “esquerda”, um extremismo ideológico comunista. Considerando ainda a afinidade frequente com o alinhamento irrestrito a Estados Unidos e Israel, a postura antifascista casa-se muito bem com a direita conservadora, por mais paradoxal que isso possa parecer aos seus opositores de esquerda.
- Ignoram um aspecto nevrálgico
O anticomunismo e o antifascismo fanáticos levam, inevitavelmente, a um erro de leitura do jogo político. Dessa forma, o liberalismo e todo seu conjunto de valores, sejam econômicos, sociais e filosóficos, continua com a legitimidade para implantar seu projeto. Todos os verdadeiros críticos e opositores do liberalismo acabam sendo classificados como “comunistas” pelos direitistas, logo, como extremistas a serem combatidos. A questão é que o filósofo e economista nipo-americano, Francis Fukuyama, desde 1992 alerta para o que chamou de “fim da história”, uma vez que o projeto liberal no decorrer do século XX suplantou o nazifascismo e o socialismo. O filósofo e cientista político russo, Alexandr Dugin, defende a mesma tese, embora de modo crítico e não otimista. Esse aspecto parece ser ignorado pelos neoconservadores brasileiros, uma vez que desde a década de 1990 o Brasil adotou o liberalismo como sistema econômico e parâmetro filosófico e, de lá pra cá, apenas o aprofundou esse processo, inclusive no período em que o Partido dos Trabalhadores esteve no comando do país.
Sociólogos, o que vcs produzem de fato?
Corrigir as werdas de vários anos, não se faz do dia pra noite.