Vacina brasileira da USP tem previsão de ser aplicada em dezembro

Foto: Rafael Barreto/Farmacore/Divulgação

Candidata à vacina brasileira contra Covid-19, a Versamune começará a ser testada em humanos em junho e a aplicação na população em geral está prevista para dezembro, informou Helena Faccioli, CEO da Farmacore, a startup de biotecnologia que desenvolve o imunizante com apoio da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto (SP).

A CEO afirmou nesta terça-feira, 4, que as três fases do estudo clínico da Versamune custarão R$ 340 milhões e serão financiados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Apesar de o governo federal ter cortado e bloqueado R$ 663,8 milhões da pasta, ao sancionar o orçamento de 2021, os testes do imunizante não serão prejudicados, segundo Faccioli.

O Ministério da Ciência e da Tecnologia não comentou o caso.

Ponto a ponto, os próximos passos que a Versamune terá que percorrer até ser disponibilizada à população:

  1. O que falta para a Anvisa aprovar o início dos testes da Versamune?

A Farmacore protocolou em 25 de março o pedido de autorização para os testes da Versamune em humanos. Dois dias depois, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) respondeu que necessitava de mais documentos para a aprová-los.

A CEO da Farmacore, Helena Faccioli, afirmou que os documentos restantes são relatórios de controle de qualidade do lote das doses que serão utilizadas nos testes.

A produção, feita por um parceiro nos Estados Unidos, sofreu um atraso de dois meses. Com isso, a documentação deverá ser entregue na íntegra à Anvisa até o fim de maio.

“Por falta de disponibilidade de material e equipamento, tivemos um atraso na produção deste lote e, consequentemente, nos relatórios. Você tem que fazer controle de qualidade de cada etapa de produção, para garantir pureza, esterilidade e que o frasco da vacina está intacto”, diz Faccioli.

Após o envio da documentação, a Anvisa tem 72 horas para aprovar ou não o estudo clínico. A CEO diz que, caso a aprovação seja imediata, a Farmacore pedirá ao parceiro norte-americano o envio imediato das doses ao Brasil.

O prazo para a entrega do lote gira em torno de duas a três semanas. Com isso, a estimativa é de que a aplicação nos voluntários comece até o fim de junho.

  1. Como serão feitos os testes da Versamune em humanos?

Os testes serão divididos em três etapas, como ocorre com qualquer vacina. As duas primeiras fases terão 360 voluntários – 240 receberão o imunizante, enquanto o restante receberá uma dose de placebo, ou seja, sem ação.

Para este público, a empresa encomendou 624 doses, considerando as duas necessárias para a imunização e uma reserva de 30% produzida para caso haja falhas nas aplicações. Os frascos virão com cinco doses, cada uma com meio mililitro.

As aplicações das duas primeiras fases ocorrerão em São Paulo (SP), no Hospital do Coração, o HCor. O estudo será coordenado pelo pesquisador Célio Lopes Silva, da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto.

Os voluntários poderão se inscrever para participar dos testes por um site. O público-alvo são pessoas acima de 18 anos, sem doenças crônicas, que não tenham sido infectados nem vacinados contra o coronavírus desde o início da pandemia de Covid-19.

Os pré-selecionados passarão por uma triagem no HCor. Além de serem reavaliados, os voluntários farão um teste RT-PCR, que identifica o vírus por amostras coletadas no nariz e na garganta, e um exame de sangue, para que haja confirmação de que eles nunca tiveram contato com o Sars-CoV-2.

A primeira fase terá um grupo menor de voluntários, cujo número de integrantes ainda não foi definido pela Farmacore. Nela, os pesquisadores analisarão quais são os possíveis efeitos adversos graves provocados a curto prazo pelo imunizante.

A partir da segunda fase, também será avaliada qual é a resposta do sistema imune dos voluntários e qual deve ser a concentração do imunizante para gerar o efeito ideal. Duas concentrações diferentes serão testadas.

A terceira fase deverá ter 20 mil voluntários, não só da capital paulista, mas de todo o país. O público apto para se voluntariar pode ser alterado, com a possibilidade de inclusão de pessoas com doenças crônicas e de outras faixas etárias, segundo a CEO.

Na terceira fase, continuarão a ser analisadas segurança, eficácia e imunogenicidade. Não serão, porém, aplicadas doses de placebo nos voluntários, diferentemente do que ocorreu com outras vacinas contra a Covid-19.

“Quando fizemos a proposta inicial da Versamune, ainda podia usar placebo, mas agora é complicado, porque já há vacinas disponíveis e pessoas imunizadas, então vamos ter que rever isso com a Anvisa”, diz Faccioli.

Os pesquisadores vão definir, com apoio da Anvisa, se a eficácia da Versamune será analisada por protocolos de não-inferioridade ou de superioridade em relação a outras vacinas já em uso, como a CoronaVac.

“No modelo de não-inferioridade, metade dos voluntários é vacinada com a Versamune, a outra metade com uma vacina de referência, e a Versamune não pode ter uma eficácia inferior. Já no de superioridade, a Versamune teria que ter uma eficácia maior do que a outra”, explica Faccioli.

  1. Quando a Versamune poderá ser aplicada na população?

A CEO da Farmacore, Helena Faccioli, estima que, em um cenário ideal, sem qualquer intercorrência, as duas primeiras etapas do estudo clínico sejam encerradas até setembro. O plano é começar em seguida a aplicação nos voluntários da terceira fase.

A terceira fase, por sua vez, deve ser encerrada até dezembro, quando a Farmacore planeja pedir à Anvisa a autorização para o uso emergencial da vacina, como fez o Instituto Butantan quando testou a eficácia da CoronaVac no país.

Em paralelo aos testes clínicos, a Farmacore já planeja dar início à produção de lotes comerciais no Brasil, para que, caso haja a autorização para o uso emergencial, a aplicação da Versamune possa começar o quanto antes.

“Se tudo correr bem, até o fim do ano a gente pode começar a vacinar. Tem que começar a produzir lotes comerciais já. É um investimento de risco, mas, se a gente esperar finalizar cada etapa de teste para começar a produzir as doses, demorariam anos”, afirma Faccioli.

  1. Quais são as diferenças entre a Versamune e as outras vacinas já em uso?

A Versamune combina a proteína que o coronavírus usa para invadir as células humanas, o que induz a produção de anticorpos, empacotada em uma nanopartícula que ativam as células T do sistema imunológico, capazes de induzirem à memória imune.

“A Versamune não induz apenas a produção de anticorpos neutralizantes, que é o princípio básico das vacinas que estão sendo utilizadas. Ela tem dois mecanismo: os anticorpos e as células T, que geram uma imunidade de longo prazo no organismo”, explica a CEO da Farmacore.

A CEO acrescenta que, de acordo com a literatura científica, vacinas com a mesma tecnologia já geraram imunidade por até doze anos. Ainda não é possível estimar, porém, um prazo exato para a duração da proteção da Versamune, já que ela ainda não começou a ser testada em humanos.

O professor da USP Célio Lopes Silva, que coordena os estudos clínicos, acrescenta que a Versamune tem capacidade de se modificar para combater, também, as novas variantes do coronavírus que já estão em circulação e as novas que possam surgir.

  1. Quanto custa e quem pagará os testes da Versamune?

O ministro Marcos Pontes informou em março que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações tinha a garantia de R$ 200 milhões no orçamento de 2021 para o financiamento dos estudos clínicos da Versamune.

Em uma recente transmissão pela internet antes da sanção do orçamento de 2021, Pontes indicou, ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que a pesquisa custaria R$ 340 milhões, com R$ 30 milhões destinados à primeira e à segunda fase e R$ 310 milhões à terceira etapa.

Pontes também disse esperar que esses recursos entrassem na previsão de gastos do governo para 2021. Na sequência, sem mencionar cortes específicos para a Versamune, Bolsonaro afirmou que todos os ministérios enfrentariam restrições de recursos.

A lei que prevê os gastos para 2021 foi sancionada em abril pelo presidente com vetos e bloqueios de cerca de R$ 29 bilhões, o que inclui R$ 663,8 milhões do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações, com a justificativa de cumprir o teto de gastos.

Do total contido do Ministério da Ciência, R$ 291,4 milhões são de recursos vetados, ou seja, retirados em definitivo do orçamento, e R$ 372,3 milhões são de verbas bloqueadas, que podem voltar ao escopo de gastos ao longo do ano.

Após a publicação do orçamento, também sem mencionar diretamente a Versamune, Pontes disse que se reuniria com sua equipe para avaliar quais projetos poderiam ser continuados diante das reduções impostas pelo governo federal.

“Tem certos tipos de projetos que sem orçamento tem um hiato, e esse hiato mata o projeto, seja porque sai da janela de oportunidade, seja porque você não tem continuidade de pesquisa”, afirmou, em transmissão pela internet, em 24 de abril.

Em nova transmissão na quinta-feira, 29, Pontes defendeu o desenvolvimento de vacinas nacionais para facilitar a disponibilidade dos imunizantes diante de um cenário global ameaçado por novas variantes do coronavírus.

“Essa é minha luta toda que vivo falando de orçamento. O pessoal fala: ‘você é muito chato para ficar falando de orçamento o tempo todo’. Mas não é para o Ministério da Ciência e Tecnologia. Este orçamento é para o Brasil como um todo”, disse.

Ao ser questionada, a CEO da Farmacore, Helena Faccioli, afirmou que os planos para os testes clínicos da Versamune seguem como haviam sido planejados.

“Este corte não chegou até a gente, mas já houve uma recomposição da verba. Houve um anúncio do presidente, de que ele não iria liberar o que o ministério precisava. Imediatamente, o ministério agiu para buscar de outra fonte. De onde ele vai buscar, a gente não sabe. O projeto está sendo tocado. Nosso planejamento continua igual”, disse.

Fonte: G1

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