Apesar de alguns excessos, algumas ausências, da inevitável – nestes tempos! – politização, me atrevo a dizer o encontro da noite desta quinta-feira, 24, para debater sobre os moradores em situação de rua, foi uma das mais produtivas audiências públicas que assisti, através da TVL, na Câmara de Blumenau. Especialmente por ter sido plural, com diferentes posições – mas não antagônicas – sobre um tema que se transformou em um drama social e não tem respostas prontas.
A maioria dos argumentos apresentados durante mais de duas horas e meia de audiência foram pertinentes, merecendo, no mínimo reflexão. Cada um com seu ponto de vista. Da pessoa que vive nesta situação e de quem sofre seus reflexos.
A audiência foi conduzida pelo presidente Almir Vieira (PP), o proponente, um defensor de uma postura mais enérgica com este segmento, como internação compulsória e obrigatoriedade de trabalhar.
A primeira a falar, com bem mais tempo que os outros, foi a secretária municipal de Desenvolvimento Social, Patrícia Sasse, que revezou com a responsável pelo Centro POP, uma das estruturas da Prefeitura para este segmento. Ela deu um panorama da política pública voltada para estas pessoas.
Ela apontou a mudança do perfil deste público e um aumento significativo, apresentando dados. 221 mil moradores em situação de rua no Brasil, 9 mil em Santa Catarina, 2 mil em Florianópolis, mil em Joinville , 517 em Itajaí, 390 em Balneário Camboriú, 350 em Lages.
Blumenau, segundo dados da Prefeitura, são 480 pessoas.
Patrícia Sasse falou da necessidade de uma política pública intersetorial e que a Assistência Social tem papel protetivo e não fiscalizatório. “Nossa trabalho é dar dignidade ofertar serviço público, ofertar oportunidades, encaminhar para a rede de atendimento, buscar que esta pessoa tem dignidade, espaço na rua não é digno de ninguém, espaço na rua não é espaço para ser humano ficar”, afirmou a secretária.
A responsável pela Assistência Social falou que o perfil das pessoas tem uma predominância de uso de substância química ou problemas mentais, quando não os dois. Afirmou que é preciso atualizar as normativas de atendimento para este segmento, todas voltadas para um público que aumentou e mudou seu perfil.
Um representante do Governo Federal se fez presente. Anderson Lopes Miranda, representante do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Ele, como pessoa, é um exemplo de sucesso frente a este drama. Garantiu que o Governo Federal vai liberar recursos para Estados e Municípios para atender as demandas.
Eduardo Soares, presidente CDL, em sua fala, resumiu bem um sentimento inicial da audiência que foi-se diluindo ao longo das primeiras falas. “…a gente chega pensando numa situação que ouvimos todos os dias dos comerciantes, recebemos demandas todo o dia, de sujeira na estrada do estabelecimento, dormindo na porta, com papelão, é chato, mas o princípio desta audiência é conhecer um tema, não conhecemos, se olha de um jeito antes e aqui começamos a enxergar com outro olhar, entender um pouco mais …” , para depois citar a angústia dos comerciantes.
O presidente da principal entidade do comércio de Blumenau representou, na sua fala, os lados desta questão.
Depois de umas sete outras falas, o presidente da Casa, o proponente, Almir Vieira, quebrou o clima que estava sendo construído nas falas anteriores, no seu estilo. Deu uma cutucada em quem lhe antecedeu, no caso, Prefeitura e Governo Federal que mandaram representantes, e disse que propôs a audiência em busca de solução. E começou mostrando o vídeo do prefeito de João Rodrigues (PSD), sobre o trabalho de internação voluntária em Chapecó. Lá o prefeito garantiu ter tirado da rua 300 pessoas, 60 teriam sido recuperadas dos problemas com álcool e drogas e voltado para casa e pelo menos outras 100 estão em tratamento.
Almir Vieira foi enfático, chamando de falsos moralistas as pessoas que dizem que”…precisam ser tratadas”, falando dos familiares destas pessoas. “Eu não concordo em dar dinheiro para ONG fazer isso ou aquilo, concordo em fazer uma cadastro, mas acompanhar…recuperar, colocar para trabalhar, dar curso “, foram algumas defesas do presidente da Câmara.
Criticou a inércia das políticas públicas, dando exemplos urbanos de problemas causados por esta população, sem a necessária atitude do Poder Público. Disse que tem propriedade para falar, pois conviveu com esta situação das drogas com uma pessoa da família.
“Mas a culpa é de todos, de nós políticos”, afirmou Almir , destacando a importância deste debate. Foi bastante aplaudindo ao encerrar sua fala.
E depois abriu espaço para as representantes das entidades que estavam na lista de convidados. Movimento nacional POP de Rua, Comen, Centro Direitos Humanos de Blumenau, Conselho Municipal de Assistência Social, assessoria do Consórcio de Assistência Social da AMVE. Antes o representante da OAB também se manifestou.
Além de Almir Vieira, os vereadores Adriane Pereira (PT) e João Beltrame (Podemos), Cristiane Loureiro (Podemos) usaram a palavra. Bruno Cunha (Cidadania) e Emmanuel dos Santos, Tuca (Novo) também estiveram presentes, no começo da audiência.
Ao fim, foram sorteadas pessoas da plateia previamente inscritas. Teve representante de comunidade terapêutica, sindicato, comunidade, assistência social, maluco, “influencer”, comerciante e meu amigo Jefferson dos Santos, do Portal Mesorregional. Ele mora na Escola Agrícola, perto do AMBLU, o abrigo que atende a população em situação de rua, relatando as queixas dos moradores e comerciantes da região.
“Precisamos trabalhar juntos”, afirmou, se queixando da falta de propostas da audiência.
Márcia Cristina, que é servidora do Centro POP de Blumenau, deu um recado importante.
“Vim aqui dizer que, se Chapecó faz um bom trabalho na assistência social, nós aqui também fazemos”, convidando os presentes a conhecer a realidade. “Temos propriedade, pois somos nós que fazemos o atendimento diário a estas pessoas, nós fazemos o contato com a família, venham até nós para conhecer o trabalho”, afirmou.
Resume bem. Esta clara a diferença de quem trabalha na área e a opinião pública, reverberada pela política. E todos tem razão.
Salvo uma ou duas manifestações, todas as falas foram produtivas, com cunho de reflexão. Devem ser aproveitadas.
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