A voz e as vozes

Aroldo Bernhardt

professor

 

A presente quadra da nossa história é de tal forma intrigante e assustadora, principalmente no Brasil, que faz com que, por oportunismo ou por crença, há quem pregue padronização, enquadramento (ou que garanta que a “ordem” automaticamente implicará progresso) tentando fazer crer que é possível reunir todos os anseios, aspirações e necessidades numa única voz.

A bem da verdade, o “não-dito” freudiano está no fato de que por “ordem” entendem a manutenção do stablishment (no qual em nível mundial 1% detém riqueza equivalente a 50% da população).

Daí que, por discordar de forma absoluta dessas premissas, decidi me manifestar na medida em que me ocorreu Hannah Arendt quando ela afirmou que “abdicar de pensar também é crime”. Aliás ela, talvez a filósofa mais influente do Século XX, também dizia que “a política trata da convivência entre diferentes”.

Voz única, portanto, é uma impossibilidade e a história traz registros alarmantes sobre os episódios em que procuraram calar as vozes divergentes para impor uma verdade única.

Principalmente quando as premissas colocadas para vender a pretensa voz única se baseiam naquilo que agora se convencionou chamar de “pós-verdade” ou seja, uma nesguinha de fato considerado verdadeiro para amparar toda uma argumentação falaciosa (Mercado auto regulável e o consequente Estado mínimo, por exemplo).

Daí, de novo a onipresente Hannah Arendt, a respeito do uso de lugares-comuns para proselitismo. Disse ela: “quanto mais superficial alguém for, mais provável será que ele ceda ao mal. Uma indicação de tal superficialidade é o uso de clichês”.

Pois bem, há quem simplesmente, para obliterar a ideia de pluralidade em todas as dimensões da vida humana e para desconhecer a alteridade (no sentido de capacidade de se colocar no lugar do outro) está querendo fazer crer que é possível construir uma “voz única”.

A pretensão de promover uma “voz única” desconhece o alerta de ninguém menos que o Secretário Geral da ONU António Guterres que em entrevista no último dia 20 disse: “deixem-me falar sobre uma preocupação primordial – o multilateralismo está sob ataque de muitas direções diferentes, justamente quando mais precisamos dele”. Evidentemente que ele se referia à política internacional, porém é inegável que o conceito mencionado incorpora a ideia de pluralidade.

Em suma se for para apelar para uma “voz única” que não esqueçamos da máxima – “Vox Populi, Vox Dei”.

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