Viviane Roussenq
jornalista
“Provavelmente só se separam os que levam a infecção do outro até aos limites da autenticidade, os que têm coragem de se olhar nos olhos e descobrir que o amor de ontem merece mais do que o conforto dos hábitos e o conformismo da complementaridade.” (Inês Pedrosa)
Fim de relação é sempre ruim. Minhas vivências corroboraram esta visão até o momento em que li a descrição de separação feita pela escritora portuguesa Inês Pedrosa em sua obra “Em tuas mãos”. Em lugar da teimosia de permanecer junto da pessoa que sabemos que já não nos faz mais felizes, a reflexão de Inês Pedrosa provoca uma reação oposta: a coragem de pôr um ponto final antes que as coisas descambem de vez.
Claro que o ato de separação derruba nossos sonhos oceânicos de que este amor seria pra sempre.
Não há como não viver o luto, a solidão, a ausência (e falta) do outro. Mas há como observar esta perda de outra forma bem mais confortante. Se não podemos voltar ao início de tudo, fazer a relação retroceder aos tempos mágicos de alegrias, paixão e paz, não há saída: todos devemos saber o tempo de ficar. E se foi amor pra valer, a relação merece este olho no olho dos dois, esta avaliação difícil mas verdadeira de que é melhor parar quando ainda há coisas boas pra se lembrar, respeito para se abraçar e ir em frente com a ruptura.
Outro dia, um casal subia as escadas da portaria do meu prédio de mãos dadas. Se despediram com um tradicional beijo na boca. Ela subiu. Até aí, tudo bem. Só depois fiquei sabendo por ela, que é minha vizinha, que aquele momento foi o término de tudo. Aquele gesto, como a frase de Pedrosa me comoveram e mudaram minha visão sobre a separação. Disse minha vizinha, que ambos decidiram se unir até o fim. Foi a maneira que encontraram para armazenar na memória o bom, o que valeu da relação, o grande, o que fez a diferença para se firmar na eternidade de seus sentimentos.
Até Caetano Veloso um dia disse que “às vezes a separação é a única confirmação possível daquilo que é mais valioso numa união”. Faz sentido. Ficar junto por ficar se o casal já se amou demasiado para se contentar com uma relação meia boca? É generoso decidir pela separação antes dela chafurdar no desrespeito, na mágoa, no ressentimento e na famigerada culpa. Como se houvesse culpados para o fim acontecer. Zilhões de coisas encerram relações a cada segundo no planeta. Motivos dos mais variados e insólitos.
Concordo com o poeta Cacaso quando diz que o “amor é algo meio ermo” e de fato é. O amor acaba. Na sinaleira, em meio a algum jardim florido, durante as compras no supermercado, enquanto a gente chama um táxi. E antes que só restem brigas, choro, infelicidade, o melhor a fazer é ter coragem pra acabar. E não me digam que esta é uma decisão temerária porque pode ser que a coisa mude, pois todos sabem quando a união está enferma, dando seus últimos sinais de vida.
Então, antes que ela sucumba, por que não dar a esta relação o devido respeito pelo tempo e felicidade compartilhados?
Coragem pra quem está passando por esta fase neste exato momento. Sei que a decisão pelo término é difícil, por isso, retardamos tanto este ato honesto de ruptura. Nosso egoísmo e medo de ficar sozinhos também estão embutidos nesta decisão. Enquanto isso a relação vai acumulando dor, qualquer coisa é motivo de discussão. Começam as intermináveis DRs- (Discussão da relação) e o inevitável desgaste deste “tudo” que viveram juntos. Pense que a separação antes de tudo ir pras cucuias, vai preservar pra sempre o que de bom o casal viveu. E restará a amizade, um sentimento que suponho seja ainda mais superior do que o amor.
Em nome do encantamento que um dia uniu duas pessoas, a separação pode ser a alternativa menos convencional mas muito mais generosa para com este sentimento.
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