O Brasil ficou mais pobre em dez anos. Entre 2012 e 2022, a fatia de domicílios brasileiros que integra as classes D e E aumentou de 48,7% para 51%, mostra um levantamento realizado pela consultoria Tendências.
Em números absolutos, são 37,7 milhões de domicílios compondo a base social neste ano.
O país não tem um critério único para classificar as classes de renda. Pelo levantamento da Tendências, as classes D e E são compostas pelos domicílios com renda mensal de até R$ 2,8 mil.
Nesse levantamento de 10 anos, a piora da mobilidade social mostra um importante revés para o Brasil. Desde o início dos anos 2000 até meados da década passada, o país viu o fortalecimento da classe C e parecia, enfim, se consolidar como uma economia de classe média – em 2004, 64% dos domicílios integravam as classes D e E, enquanto 22,4% pertenciam ao grupo da classe C.
Mas a recessão observada entre 2014 e 2016 e os efeitos econômicos detonados pela pandemia de coronavírus interromperam esse processo.
“A crise do biênio 2015 e 2016 provocou efeitos negativos na mobilidade social. Houve a ampliação das classes D e E e o enxugamento da classe média”, afirma Lucas Assis, economista da Tendências. “O quadro já não era tão favorável, e a pandemia ampliou ainda mais as desigualdades.”
Em 2021, com o agravamento da crise sanitária, a fatia de domicílios nas classes D e E chegou a 51,6%. A ligeira melhora que será observada neste ano será fruto de um mercado de trabalho um pouco mais favorável.
Vida já foi melhor
No melhor momento, o casal Steffany Aparecida Neves Prado, de 30 anos, e Juliano Prado Silva, de 31, chegou a ter uma renda conjunta mensal superior a R$ 3 mil. Ele trabalhava com o pai, como auxiliar de marceneiro, e ela era vendedora numa loja de roupas.
Hoje, o cenário é completamente diferente. Desempregados, os dois vivem de bicos. Juntos, conseguem uma renda mensal de R$ 400. “Quando aparece um bico, a gente vai correndo”, diz Steffany, que hoje faz faxina num consultório odontológico.
“Eu posso falar que a nossa vida já esteve melhor, bem melhor. A gente já teve carro e tudo dentro de casa. Hoje, estamos sem geladeira. Vivemos de doação de cesta básica”, afirma.
Os dois moram na Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo, e são pais de três casais de gêmeos. Por dia, gastam um quilo de arroz e um quilo de feijão para alimentar toda a família.
“O dinheiro do bico vai para comprar arroz, feijão, mistura, essas coisas baratas. Faz tempo que não entra carne dentro de casa. Se for comprar um quilo de carne, vou deixar R$ 100 no mercado”, diz ela.
Com uma renda baixa, a família de Steffany vai acumulando dívidas – o atraso na conta de luz já soma cerca de R$ 9 mil. “Não pago aluguel porque moro na casa da minha sogra e não tenho como pagar outras contas. A internet também está cortada.”
Sem renda fixa
Na Brasilândia, zona norte de São Paulo, a cabelereira Janaina Alves de Sousa, de 32 anos, também sentiu uma piora na qualidade de vida nos últimos anos. Sem conseguir um emprego formal há três anos, vive do seu trabalho como trancista e, num bom mês, consegue uma renda de R$ 700.
“Eu não tenho um valor fixo do meu trabalho. Depende muito da procura das clientes. Tem mês que eu consigo fazer dois, três cabelos. Tem mês que eu só faço um”, diz Janaina, que tem um filho de 10 anos e mora de aluguel.
No fim de janeiro, ela deve ter um alívio no orçamento ao receber a parcela do Auxílio Brasil.
“Quando eu tenho um bom mês no trabalho, consigo pagar o meu aluguel e as contas de água e luz”, afirma Janaina. “Em janeiro, já paguei tudo. Agora, vem fevereiro e estou juntando dinheiro para pagar as contas do próximo mês.”
Antes de atuar como cabelereira, Janaina trabalhou com carteira assinada e chegou a ganhar um salário líquido de R$ 1,1 mil, além dos benefícios. Com a queda na renda, precisou parar a faculdade de pedagogia porque não conseguiu mais pagar as parcelas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
“Sem o Fies, eu não consigo voltar para a faculdade. Eu fui tentar fazer uma negociação, mas só querem o valor à vista.”
O que explica a fragilidade
Uma combinação de fatores leva a população mais pobre a sofrer com as sucessivas crises econômicas.
- A informalidade é muito mais comum nas classes D e E e, portanto, elas têm uma renda bastante volátil. Na pandemia, os informais foram um dos grupos mais afetados com o fechamento de serviços e comércios para evitar a propagação da doença e, consequentemente, não colapsar os hospitais.
“Em períodos de crise, essas famílias têm dificuldade em gerar renda, o que foi amplificado nos momentos de lockdowns. A renda dessas classes é uma renda da rua, de quem trabalha como conta própria”, afirma Maurício Prado, diretor da consultoria Plano CDE.
- As famílias mais pobres moram em áreas muito periféricas das cidades. Dessa forma, surgem entraves diários para essa população ter acesso à renda e ao trabalho, problemas que também foram amplificados durante a crise sanitária.
- Os domicílios das classes D e E costumam ser compostos por muitos integrantes, sendo apenas uma pessoa a responsável por trazer alguma renda.
“Uma grande parcela dessa população é composta por famílias com vários moradores na casa e poucos geradores de renda, ainda mais em famílias com filhos pequenos e monoparentais – mora a mãe com os filhos pequenos, por exemplo”, diz Prado.
“A pobreza é multidimensional. Tem várias dimensões: além da falta uma renda, envolve habitação precária, problema de saúde, a escolaridade baixa”, acrescenta.
E como fica a situação?
Uma melhora do quadro da desigualdade do Brasil não deve ocorrer tão cedo, segundo a avaliação dos especialistas.
Nos próximos anos, a expectativa é que a economia brasileira colha um baixo crescimento econômico, dificultando um fortalecimento do mercado de trabalho e, consequentemente, da mobilidade social.
Em 2022, os analistas consultados pelo relatório Focus, do Banco Central, estimam uma alta de apenas 0,29% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2023, a economia brasileira deve crescer 1,75% e, nos dois anos seguintes, avançar 2%.
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