Aroldo Bernhartd
professor
Não é preciso entrar em detalhes para configurar a crise multidimensional em que não só nós brasileiros estamos mergulhados. A coisa é mais ampla e tudo parece apontar para o fato de que as instituições que herdamos da Revolução Francesa e outras até de tempos mais remotos não respondem mais adequadamente à complexidade dos dias atuais.
E o pior é que ainda nada temos para substituí-las. Por isso agora mais que nunca é necessário ler, estudar, pesquisar, expor ideias, debater. Gosto de manifestar o que penso, expor preocupações e fico feliz em ver que sou acolhido em espaços generosos como este do Informe Blumenau, entre outros.
Nessa perspectiva entendo que não é aceitável que, quando alguém se expressa, alguns se manifestem com rancor, com preconceito e em geral com ofensas rasteiras, sem conteúdo, sem argumento. A pecha de alienado é frequente, mas outras, que pecam igualmente pela falta de criatividade também são comuns. Enfim, acho que são pessoas que temem as ideias.
Isso me faz relembrar uma passagem muito interessante de um “desenho animado” chamado “O Mundo dos Insetos”, fato que quero compartilhar, mais uma vez.
Havia uma colônia de formigas sistematicamente exploradas por um bando de gafanhotos. O gafanhoto líder se chamava Hopper, profundo conhecedor das manhas e das artimanhas da chefia, da liderança e também da opressão. Um belo dia, ele foi confrontado pelas ideias revolucionárias do Flicker, inseto criativo e inconformado com o estado das coisas (formigas subjugadas por gafanhotos). Sem argumentos, Hopper declarou peremptoriamente: “ideias são coisas muito perigosas”.
Ideias não são perigosas, não são venenosas. Ideias fazem o mundo avançar, fazem viver e para aqueles que exercitam a tolerância e a compreensão, as ideias fazem conviver. As ideias podem balançar o “establishment” como aconteceu com a teoria heliocêntrica de Copérnico ou com as teorias de Einstein que mudaram a física clássica, com repercussões em todo o conhecimento humano. Na área das ciências humanas e sociais há hoje uma efervescência crescente. A influência da nova física se faz presente, e o cientificismo exacerbado na lógica e na razão objetiva começa a dar espaço ao intuitivo, refletindo a mudança.
Segundo Platão, o Homem oscila entre conceitos opostos ― mortalidade e imortalidade, perfeição e imperfeição, tempo e eternidade, ordem e desordem, verdade e falsidade, etc. O Homem encontra-se “no meio de” (entre) polos opostos, e esse “entremeio” onde vive o Homem, Platão chamou de “Metaxia”. Até por isso, esquerda e direita não é uma falsa dicotomia, é uma realidade histórica.
Por outro lado, achar que aquele que se alinha à esquerda é simplesmente marxista-leninista, caracteriza um reducionismo obscurantista, semelhante a achar que todo empresário é necessariamente malvado. No que tange ao tema, existem muitas outras contribuições que ajudaram a compor o pensamento esquerdista e o da direita, também. Aliás, nessa linha recomendaria aos dois lados que compulsassem a obra de Guerreiro Ramos (o maior e mais brilhante sociólogo brasileiro em todos os tempos).
Assim, o socialismo evoluiu para o que vem sendo pejorativamente chamado de pragmático, por expressar que o socialismo não deve ser confundido com estatização, mas como socialização da política; por defender a construção de formas de propriedade privada e de propriedade estatal, de cooperativas e, sobretudo, de estabelecer mecanismos de regulação que possam direcionar o crescimento da economia para o benefício da maioria. Trata-se de uma abordagem que se preocupa com o meio ambiente de forma estratégica, para o desenvolvimento em harmonia com a natureza. Que se preocupa com a socialização do conhecimento, que entende que a comunicação constitui um bem público e que o socialismo deve garantir a liberdade de imprensa, com a adoção de mecanismos combinados de comunicação pública, privada e comunitária. Acredita na diversidade étnico-religiosa, quer contribuir para a paz mundial, que passa pela paz individual e na família, paz que viabilize o diálogo, que incentiva o debate em torno das ideias sem combater o pensador.
Enfim, não se trata de ingenuidade ou ignorância, a ideia é não temer as ideias, nem execrar quem pensa, tampouco reprimir quem se expressa. Ao contrário é preciso estimular o debate, em qualquer esfera. Ideias não envenenam, ideias libertam
Com o teu sapobarbudo era tudo mais mió!