Quando eu era pequeno, vivendo em Otacílio Costa, no Planalto Serrano, corria livre por ruas e plantações de pinheiros, eucaliptos — todas as árvores que, depois de um tempo, seriam transformadas em papel pela Klabin. O silêncio de uma cidade pacata, a tranquilidade de uma vida no campo, permitia a exploração imaginativa da criança que fui. Um simples joão-de-barro erguia sua construção, e eu observava; encontrava um imenso cogumelo e já definia: moradia de um sapo.
Depois de algumas décadas, a ingenuidade não acompanha mais meus passos. Blumenau, que me acolheu, faz brotar novos prédios numa velocidade maior que o surgimento de destes pequenos fungos após alguns dias de chuva. Os edifícios vão surgindo, rumo ao céu, erguendo-se como quem foge de algo. E talvez estejam… fugindo da responsabilidade, da falta de infraestrutura pública que deveria acompanhar todas as construções.
Recentemente, Almir Vieira, presidente da Câmara de Vereadores, mandou a real em entrevista ao Informe Blumenau: as incorporadoras não entregam o básico. Parece que se trata de um “constrói primeiro, pergunta depois”, enquanto o poder público corre para oferecer o mínimo necessário aos futuros moradores. E assim a cidade cresce de um jeito qualquer. Um drama que, verdade seja dita, não é exclusivo nosso. O mundo parece perdido no tratamento do assunto moradia.
Hoje, um lar deveria ser mais do que só um abrigo. Cada novo prédio erguido sem calçadas, sem parquinhos, sem as conexões humanas que uma cidade deve cultivar, é mais um tijolo na muralha da segregação social. As ruas necessitam, com urgência, de uma ampla reforma urbana, um profundo cuidado ao planejar o espaço de todos e a preocupação com o teto de cada indivíduo.
Outro dia, aqui mesmo no Informe Blumenau, a arquiteta e urbanista Daniela Sarmento escreveu sobre algo que muitos percebem, mas poucos mencionam: Blumenau se tornou uma colcha de retalhos de riqueza e pobreza que se observam de longe, mas nunca se tocam. Esse purgatório urbano empurra trabalhadores mais pobres para as extremidades e cidades vizinhas, tornando inacessíveis — para a maioria — parques, vistas e locais inteiros no coração do município.
Quem também contribuiu brilhantemente para o debate foi o professor Dr. Josué de Souza, com seu alerta sobre os perigos de uma cidade mal planejada. É evidente que a desigualdade, o esgarçamento do tecido social e o sentimento de abandono afloram quando o descuido urbano assume as rédeas na definição do mapa e ocupação de cada cantinho do município. Quem mora no centro sente o aperto do alto custo de vida e a falta de alternativas. Quem mora longe atravessa bairros e bairros para servir ao sistema que os exclui.tA
Como falei, as dores dos desafios urbanos não são exclusivas de Blumenau ou do Brasil. Países desenvolvidos também enfrentam a necessidade de reorganizar o lar do cidadão. Nos Estados Unidos — onde Trump acaba de reassumir com ares de “de volta ao futuro” — o sonho da casa própria virou uma miragem em meio a trailers, carros e barracas. Milhares de americanos, sem condições de alugar ou comprar um imóvel, buscam abrigo em locais insalubres, como marquises.
Na Espanha, Barcelona foi engolida pela especulação dos aluguéis temporários para turistas, gerando um tipo moderno de exílio: o exílio no próprio lar, de onde o munícipe se vê expulso para dar lugar ao visitante endinheirado. Em Londres e outras capitais europeias, imóveis vazios acumulam-se enquanto pessoas dormem ao relento, uma paisagem tão familiar quanto insustentável. Atualmente, alguns parlamentos europeus já discutem mudanças para proteger a função social da moradia, desestimulando a especulação e aplicando regras mais duras aos donos de imóveis.
No Brasil, a moradia consome entre 40% e 60% do orçamento familiar. Não se trata de luxo, mas da base da dignidade. Em Blumenau, por exemplo — que não é capital, não tem praia, tampouco espelha um potencial turístico dos grandes centros, nem aeroporto ativo possui — está entre as 40 cidades mais caras do país para se encontrar um lar.
Mas será que há saída? Pense comigo sobre esta frase: “uma cidade para todos”. Não parece utopia? Espaços ociosos, especialmente nas áreas centrais, poderiam ser transformados em moradias acessíveis e populares. Uma reforma urbana não é só necessária; ela é urgente. É hora de colocar essa ideia nas mesas dos debates e de transformar as palavras em um exemplo concreto, que alimente sonhos e garanta que ninguém fique sem um teto para chamar de lar.
Tarciso Souza, jornalista e empresário
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