Opinião | A greve na Educação – parte II: para além das reivindicações

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No artigo anterior, parte I, apontamos as reivindicações do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de SC, considerando a justiça dessa demanda corporativa. Porém, nem governo, nem sindicato demonstram discernimento conceitual, tampouco coragem, de enfrentar os desafios educacionais atuais. Insista-se: o governo não demonstra ciência do problema e o sindicato não sinaliza compromisso com o que está além das reivindicações: o modelo educacional.

1) O concurso público é necessário e nem o governo nega, conquanto protele, apoiado em justificativas fiscais. Concursos selecionam e tendem a gerar estabilidade educacional e meritocracia. 2) Quanto à descompactação da tabela salarial, valorizaria a titulação do professor, o incentiva a estudar mais – doutor ganha mais que mestre, que ganha mais que especialista, que ganha mais que graduado: é meritocracia, pronto, nem se discute.  

Como dissemos no artigo anterior, contudo, trata-se da ponta do iceberg, porque o problema estrutural está no modelo. Não é o modelo no todo, mas a falta de certos conceitos, de um pressuposto básico e de um objetivo estratégico, negligenciados na formação dos estudantes. Entre os conceitos estão: desenvolvimento local-regional, cooperação, adaptação, produtividade, meritocracia, interdisciplinaridade, criatividade, reputação, capital social e humano etc. 

Quanto ao pressuposto básico, trata-se de inserir o pensamento sistêmico, permitindo que professores e alunos entendam o funcionamento de uma sociedade desenvolvida. Assim como um organismo saudável e uma cabeça boa, tudo depende da conexão entre indivíduos e órgãos para produzir as melhores sinapses. Nessa direção, é preciso transpor a visão da conflagração social na origem da polarização ideológica atual, realimentada pelos “engenheiros do aos”.

Quanto ao objetivo estratégico: foco no desenvolvimento local-regional, orientado por dois pressupostos essenciais da Educação: formação para a cidadania-civismo e o mundo do trabalho. Nada de retirar os temas existentes, o que só representaria mais conflagração e reproduziria a visão anacrônica à qual governo e sindicato estão presos. O pensamento sistêmico revela as conexões sinérgicas na diversidade, favorecendo o desenvolvimento, ao invés de inibi-lo.

Tudo isso já está pressuposto na Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Aparece ainda mais claramente no Currículo Base do Território Catarinense, documento estadual correspondente. São documentos cujos pressupostos vão, às vezes ainda timidamente, mas vão na direção das necessidades de formação para o século XXI – e olha que já estamos chegando no primeiro quarto dessa jornada. Essa discussão, aprofundo no livro “Sociologia produtiva”, Editora Arqué, 2024.

Então, por que não avançamos?  

Por parte dos sindicatos, bom: que alguém me corrija dizendo que sua função é estritamente corporativista, em defesa dos interesses da categoria. Se for só isso, sua função social é lacônica. Mas também sabemos que, em termos de orientação conceitual, os sindicatos da Educação se alinham com o Conselho Nacional de Educação – CONAE, cuja retórica é de conflagração e a favor da extinção da BNCC (um caso sério, sobre o que já escrevi nesta coluna).

Por parte do governo, não há plano. Tampouco expressa preocupação com as urgências formativas ante um mercado de trabalho otimizado pela inteligência artificial, que extingue profissões e demanda novas. Essa deveria ser a preocupação obsessiva de governos e educadores. Enquanto isso, a Secretaria de Educação parece iludida com os bons e passageiros índices da Educação catarinense em relação à média do País. 

Destrinchei tal ilusão no meu canal do Youtube, homônimo à coluna SC Think Tank.

A propósito, o IDEB de Santa Catarina foi o melhor do País em 2023. O paradoxo, contudo, é o seguinte: o estado vai bem onde a responsabilidade é dos municípios, mas a qualidade cai a mais de uma década no Ensino Médio, onde a responsabilidade é do governo estadual. E a Secretaria de Estado da Educação parece não saber disso. É irresponsabilidade ou ignorância? Um governo inteligente precisa ser bem mais que isso.

No fundo, essa falta de inteligência resulta da polarização ideológica e política que fez dos agentes políticos reféns de seus eleitores mais barulhentos. Esvaziou-se o campo das ideias e tudo que interessa são as demonstrações de maniqueismo no “jardim das aflições”. Toda palavra, imagem e ato estão direcionados pra que o eleitor saiba de que lado da conflagração ideológica estão o governante e o parlamentar. E lá se foram autonomia, autenticidade e planejamento. 

Não sei se é imprescindível superar essa burrice democrática (cópia mal feita dos EUA). Mas, essa polarização acéfala enturva, inclusive, a compreensão da Sociedade sobre as reivindicações dos trabalhadores da Educação. E, sobretudo, parece ser o obstáculo que nos impede de discutir o problema estrutural: um modelo educacional obsessivamente focado no desenvolvimento. O esboço conceitual desse modelo postergo para o próximo artigo desta série.

Walter Marcos Knaesel Birkner, sociólogo, autor do livro “Sociologia Produtiva: BNCC, desenvolvimento e interdisciplinaridade”

 

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