Desenvolver em sala de aula o aprendizado da língua materna é muito mais do que ofertar aos estudantes as regras normativas da língua. Perpassa pela organização de como metodologicamente é propiciado o entendimento entre a bagagem linguística que o aluno traz para a escola e a adequação do uso dessa linguagem nos diferentes contextos em que está inserido.
Cabe salientar, que não importa se o aluno está na educação básica, no ensino médio ou na própria formação universitária. Em qualquer dos segmentos, os estudantes trazem consigo a linguagem própria do meio em que vivem e cabe ao ambiente escolar e aos professores, nas diferentes áreas do conhecimento, e em especial os profissionais de linguagem, organizar com os mesmos a compreensão e apreensão da língua na sua estruturação e consequente uso pertinente nas diversas situações em que a mesma é utilizada.
Segundo o dicionário Michaelis, entre vários significados, o vocábulo língua é referenciado como:” Sistema de comunicação oral e escrito de um país, estado ou território”, também traz o conceito do linguista suíço, Ferdinand de Saussure (1857-1913), que diz que língua é: “sistema abstrato de signos, subjacente à fala e à escrita, usado por uma comunidade e que se opõe à sua realização individual; langue.
Trabalhar a língua de forma acadêmica é observar o repertório linguístico dos indivíduos que estão agrupados e organizados em salas de aula e formalizar as exigências do uso padrão e formal da língua que propicia o processo de comunicação. Possivelmente, está nesse encontro entre o que o estudante e o professor trazem no seu repertório linguístico e o que é exigido como recurso formal da língua, a dificuldade mais eminente no desenvolver esse componente curricular no contexto escolar e inclusive no universitário.
A língua é elemento essencial no processo de comunicação pois aproxima a apropriação individual do saber coletivo. Este saber coletivo traz as raízes da formação étnica, das variantes linguísticas oriundas da miscigenação, do aparelho fonador voltado para as características fonéticas das diferentes línguas e dos códigos linguísticos próprios dos diversos grupos que se formam no universo social.
Portanto, não é possível cometer o equívoco de desconsiderar a bagagem linguística do estudante, mas sim é fundamental acolhê-la, aprender com ela e assim levar o estudante a desenvolver o aprendizado da formalidade da língua para que se aproprie desse repertório linguístico e faça uso do mesmo nas diversas situações em que se encontre e necessite dominar a estrutura da língua.
Falar na formalidade da língua implica em entender a importância da gramática normativa na formação linguística, no entanto, não é somente através do estudo dela que se prepara o estudante para o domínio da língua. Dominar a língua implica em utilizar com propriedade a oralidade, a escrita, a interpretação e conjuntamente a apropriação gramatical, necessária na interlocução e fundamental no texto escrito quando este, principalmente, é de caráter formal, diferente de um texto literário que pede, dependendo da intenção, que contenha elementos próprios, por exemplo das falas regionais.
O atual texto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), promulgada em 2017, após quatro anos de revisão, traz para a área de linguagens e especificamente para o ensino da Língua Portuguesa a proposta do trabalho com o texto e através deste trabalhar todos os eixos da esfera linguística através dos campos de atuação propostos na BNCC.
Nessa perspectiva linguística, a gramática normativa não perdeu seu lugar ou sua importância, pelo contrário, o estudante passa a entendê-la com mais propriedade através do texto lido e do texto produzido, sendo que a BNCC faz referência aos conteúdos que são necessários a cada ano no percurso escolar.
Nessa perspectiva do ensino da língua com mais ou melhor letramento, estratégias que façam o estudante mergulhar no universo da leitura são desafios deste novo ensinar na área de linguagens e mais especificamente no ensino da língua portuguesa bem como da língua estrangeira moderna. No entanto, não somente o aluno deve estar aberto para o universo da leitura, o professor necessariamente deve ser um leitor contundente e da mesma forma estar envolvido na dinâmica da escrita e ampliando seus conhecimentos no universo digital pois este está contemplado também na BNCC no campo jornalístico midiático que promove a criticidade do estudante através dos diversos gêneros textuais, principalmente de cunho social.
Esta perspectiva mais dinâmica dos componentes curriculares da área de linguagens, traz à lembrança o universal escritor Mário de Andrade que além do engajamento na semana de arte moderna de 1922, já, naquele momento, tinha um olhar voltado para uma literatura e uma linguagem e um letramento que aproximasse o cidadão brasileiro da sua língua que diretamente é seu referencial. Portanto, apaixonados pela leitura e os diversos gêneros textuais não são necessariamente professores de línguas, mas, professores de línguas, necessariamente devem se apaixonar por esse universo e assim tornar apaixonantes os momentos em que este componente curricular é trabalhado no espaço escolar e também o universitário.
Lourdes Cerdeira Moreira, professora e psicóloga
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