Opinião | A primavera que gosto… de todas as cores

Imagem: Um jantar brasileiro", de Jean-Baptiste Debret/Reprodução

Se, algum dia, você desejar descobrir qual é, de fato, a sua cor de pele, experimente correr após às 11h de uma noite qualquer sem camisa, de boné, em uma rua aleatória, como a XV de Novembro. E faça isso cantando. É possível que a polícia irá pintá-lo, perfeitamente, com a tonalidade correspondente a paleta bicolor que separam os grupos sociais.

Nenhum outro Estado brasileiro empregou tamanha eficiência em realizar um processo de branqueamento racial como Santa Catarina. Agora, tudo ilumina uma normalidade profunda que, na formação educacional, cultural, parece que nunca existiram negros e índios neste lugar.

É triste pensar, olhando para história, que boa parte de tudo que existe atualmente no país é fruto de trabalhos forçados, explorados, executados por negros trazidos à força, sem nenhum reconhecimento séculos depois. A base da profunda desigualdade vive lá, nos pântanos da concentração de mérito branco, de uma brutal, inconveniente, necessidade de compensação para um povo inteiro.

Os registros confirmam que os europeus, além de legítimos, cruéis, filhos da mãe, dominavam técnicas essencialmente agrícolas. Já os originais do continente Africano dispunham de rico conhecimento natural sobre exploração mineral, construção civil, tecelagem. Milagrosamente, histórias de escravos e negros em Blumenau, e toda Santa Catarina, parece que nunca existiu. Quem sabe, neste cantinho do planeta, cresceram apenas flores pálidas importadas?

O Brasil atravessa o tempo incapaz de dobrar os joelhos e reconhecer o que produziu para chegar até aqui. Hoje, o sangue de pessoas verde e amarelo que lavam as escadas e calçadas, as vielas e lugarejos pobres são de homens e mulheres negros em sua maioria. Entre os que ocupam os presídio, nas estatísticas dos que morrem por violência, que passam fome, que ocupam as posições menos relavantes também. Mais da metade do país é preto… e um cidadão, reconhecido por sua cor receberá apenas 60%, em média, do que o outro colega de trabalho branco ao exercer a mesma função.

Os pesquisadores calculam que 12 milhões de escravos foram arrastados para cá, vivendo em terra e berço esplêndido. Os registros também apontam que uma outra parte igual morreu dentro dos navios que transportavam, como mercadoria, tristes vidas negras. Ou seja, o Brasil é até hoje incapaz de reconhecer que produziu o massacre de 12 milhões de vidas. Certamente, a maior tragédia humanitária não contada no planeta.

Curiosamente, a única biografia escrita por um negro escravo que viveu nas terras de Cabral, inclui Santa Catarina em suas páginas. Mahommah Gardo Baquaqua chegou ao Estado em um barco de uma catarinense, descrita como má pessoa e de péssimo humor, que era esposa do dono da embarcação. Em uma das passagens ajudou a carregar farinha, possivelmente em Florianópolis.

O dia da consciência negra é também de memórias de como chegamos aqui! É um tempo de redescobrir as raízes, buscar mais espaço e o fim da burrice estúpida que o racismo toma o coração e espírito dos homens.

Nossas vidas importam! A luta continua!

“Não se pode esperar que alguém de minha raça, com cabelo lanoso e rosto escuro, e com conhecimento escasso desperte o interesse de seus amigos na faculdade. Mas farei o melhor que puder para provar que quero ser um homem. É verdade, o trabalho escravo desgastou meus membros, é verdade, minhas costas o flagelo suportou, mas não é verdade que o poder do tirano conseguiu fazer meu coração se acovardar. Não! Ele era livre, assim como era quando eu brincava sob a sombra das minhas palmeiras nativas”, Mahommah Gardo Baquaqua.

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